Amor: as linguagens secretas usadas nos últimos 200 anos
Crédito, Getty Images
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- Author, Molly Gorman e William Park
- Role, BBC Future
Se você visitar a ala Richelieu do Museu do Louvre, em Paris, na França, você talvez troque olhares com uma antiga rainha da Inglaterra.
Suas mãos unidas são adornadas com anéis de alto valor. Ela apresenta um sorriso muito leve, sereno e reservado.
Joias e pedras preciosas cobrem seu véu, além dos ricos tecidos vermelhos e dourados do seu vestido de mangas bufantes. E um colar com um pequeno crucifixo adorna seu pescoço.
Sem dúvida, o quadro deixa claro que ela estava destinada a atrair os olhares das pessoas.
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O retrato de Ana de Cleves (1515-1557), do pintor suíço Hans Holbein, o Jovem (c.1497-1543), era tão arrebatador que fez com que um dos homens mais poderosos do mundo na época noivasse com ela em 1539: o rei inglês Henrique 8° (1491-1547).
O embaixador de Henrique em Cleves (hoje, na Alemanha) descreveu a pintura como “muito jovial“, indicando que o retrato era fiel. Mas alguns historiadores acusam Holbein de ter exagerado a beleza de Ana.
O que se seguiu foi um casamento não consumado, até que o casal conseguiu sua anulação em julho de 1540 — o que teria sido, para alguns, um golpe de sorte para Ana, a quarta esposa do rei.
Apresentar uma possível futura rainha com um retrato, a princípio, pode parecer muito distante das nossas tentativas modernas de encontrar o amor em um mundo de serviços de namoro digitais. Mas os retratos para fins de namoro, na verdade, estão de volta.
Em 2022, 30% dos adultos usavam aplicativos de namoro nos Estados Unidos. Eles exigem que os usuários façam julgamentos preliminares fundamentais, com base em pouco mais do que uma fotografia e, talvez, algumas palavras encorajadoras dos amigos.
Algumas das linguagens ocultas ou sinais visuais de atração surpreendentemente não sofreram alterações ao longo dos séculos, enquanto outras caíram no esquecimento.
O que esses códigos não verbais revelam sobre a forma em que percebemos os relacionamentos amorosos? Será que conhecê-los melhor pode nos ajudar a encontrar o verdadeiro amor?
A era da Regência Britânica é geralmente definida como incluindo as décadas em torno do ano 1800. Ela ofereceu às mulheres a oportunidade de serem não só atraídas e cortejadas, mas também de serem ativas na busca por um casamento.
Nos romances dos escritores da época, como Jane Austen (1775-1817), os personagens buscam o casamento por razões sociais ou financeiras. Mas o amor costuma vencer no final.
Casar-se por amor se tornou um “ideal amplamente celebrado no século 18”, segundo a pesquisadora Sally Holloway, da Universidade de Warwick, no Reino Unido. Ela é a autora do livro The Game of Love in Georgian England (“O jogo do amor na Inglaterra georgiana”, em tradução livre).
Naquela época, as pessoas se preocupavam em encontrar o amor antes do casamento e não em desenvolver a afeição por outra pessoa posteriormente. Isso “não é diferente de como você determina sua compatibilidade com um parceiro hoje em dia”, explica ela.
O interesse amoroso poderia se desenvolver em um dos eventos sociais da época.
Holloway conta que era divertido ser o objeto do flerte sutil daqueles eventos públicos. Existia na época, por exemplo, uma “linguagem de leques”, “mas era mais por diversão do que uma forma séria de comunicação”.
Em 1797, o estilista Charles Frances Bandini criou um leque com um alfabeto codificado, impresso em minúsculas letras ornamentadas. Ele permitia que as mulheres enviassem mensagens através de uma sala.
O chamado Leque de Conversação Feminina relacionava diferentes posições das mãos para indicar cada uma das letras. Era um método similar à comunicação semafórica, empregada principalmente pelos marinheiros, usando bandeiras coloridas.
Crédito, The Oldham Collection, MFA Boston
“O principal uso do leque entre os amantes teria sido um método de flerte muito menos explícito, acompanhado de expressões de desejo, cílios tremulantes e olhares amorosos”, explica Holloway.
Os sinais com os leques eram úteis nos bailes barulhentos e superlotados, ou quando era necessário agir com discrição.
Mas, nos quartos mais próximos, homens e mulheres podiam usar perfumes para “estimular e fortalecer os sentimentos de amor e desejo sexual”, segundo a pesquisadora. Perfumes líquidos também eram aplicados a cartas de amor, para seduzir um amante.
Holloway conta que os homens no período da Regência Britânica eram tipicamente apresentados a mulheres com inúmeros dons, que variavam de flores até retratos em miniatura, para demonstrar sua afeição e compatibilidade como parceiros.
“Os casais verificavam se suas inclinações e perspectivas sobre a vida eram compatíveis e similares, trocando livros de presente e sublinhando as passagens com as quais eles mais concordavam”, explica ela.
“Nas suas cartas, eles discutiam suas esperanças e temores, suas visões morais, o que eles esperavam encontrar no casamento e trabalhavam para construir laços emocionais mais próximos.”
Em troca, as mulheres “tipicamente presenteavam os homens com objetos artesanais, como babados bordados e coletes, para mostrar suas habilidades domésticas e o tempo investido em um pretendente, além de flores prensadas como violetas, simbolizando sua modéstia, honestidade e fidelidade no amor”, explica Holloway.
Os dois presentes simbolicamente mais importantes eram mechas de cabelo — um pedaço físico do corpo do amado, que duraria mais do que o tempo deles na Terra — e um anel, que simbolizava sua mão em casamento.
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A linguagem dos leques pode ter sido esquecida. Mas, segundo Holloway, existem algumas similaridades com a forma em que os casais ainda fazem uso de presentes e mensagens para se conectar no mundo do namoro moderno.
“Todos estes rituais ajudavam a criar uma sensação de intimidade e proximidade emocional, da mesma forma que os casais modernos podem trocar uma série de presentes, textos, e-mails, planejar encontros e viagens ou passar tempo juntos para determinar sua compatibilidade”, explica ela.
Uma forma antiga de rede social?
Quando a fotografia passou a ser mais acessível e amplamente disponível durante o período vitoriano (1837-1901), mais pessoas tinham a possibilidade de observar, pela primeira vez, a aparência de celebridades e até da realeza.
Os amigos e familiares também podiam trocar lembranças entre si. Com isso, a tecnologia que se espalhava pela sociedade vitoriana no Reino Unido logo encontraria um propósito amoroso: os cartões de visita, retratos com cerca de 9 cm x 6 cm, colados sobre um pedaço de cartão que podia ser enviado para possíveis amantes.
Os cartões eram baratos e facilmente trocados. Por isso, de certa forma, o retrato poderia viralizar como ocorre com as imagens hoje em dia.
As pessoas postavam anúncios solicitando a troca de cartões e os amantes poderiam manter os cartões dos pretendentes perto delas, “quase como um pequeno objeto de fetiche”, segundo o professor John Plunkett, do Departamento de Língua Inglesa da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Originalmente, os cartões ficaram famosos graças à rainha Vitória (1819-1901) e ao príncipe consorte Alberto (1819-1861), até se tornarem mais acessíveis para a classe média e alta. Eles fizeram “parte da construção própria de um indivíduo em relação a uma identidade coletiva mais ampla”, segundo Plunkett, em um estudo publicado no Journal of Victorian Culture.
Os cartões ofereciam a algumas pessoas a primeira — e, talvez, única — oportunidade de tirar sua foto. E podiam permitir que elas fizessem uma marcante primeira impressão, como ocorre com os modernos aplicativos de namoro.
“Você vestia sua melhor roupa de domingo”, explica Plunkett.
As pessoas também incluíam algo da sua personalidade. Elas posavam lendo para as fotos ou de alguma forma que demonstrasse como elas eram modestas ou dominantes.
O cartão “oferece a possibilidade de declarar quem você é”, segundo o professor. “Você irá se fazer parecer com maior mobilidade social e status superior.”
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Surgiu, então, a moda de transformar em colagens os cartões das suas conexões sociais mais próximas.
Um estilo de arte se desenvolveu para colocar os amigos em poses incomuns e criativas, reunidos em uma sala de visitas ou mesmo como vítimas infelizes de uma teia de aranha. O propósito era guardar essas lembranças em um livro de recortes e expressar um pouco como eram mantidos os amigos próximos.
Plunkett explica que o uso de adereços ajudava as pessoas a permanecer imóveis enquanto os fotógrafos tiravam seus retratos. As primeiras fotografias exigiam muito mais tempo de exposição do que os retratos de hoje em dia.
Os adereços também serviam, por exemplo, para incorporar “a sensação de um pano de fundo grandioso” ou demonstrar sua profissão.
“É tudo questão de elaborar uma aparência e pensar na visão de si próprio que você deseja projetar… [como um] perfil do Instagram ou do Twitter”, afirma Plunkett. “Você irá escolher algo que demonstre uma certa versão de si próprio.”
Nos aplicativos de namoro atuais, as pessoas também usam fundos e adereços, como cenários exóticos ou animais, para refletir seus interesses e mostrar como elas gostam de ser observadas.
Romance nas casas noturnas de Berlim
No final do período vitoriano, a etiqueta social começou a se flexibilizar e as pessoas encontraram novos lugares par buscar parceiros.
As salas de dança, por exemplo, tocavam música cada vez mais agitada até tarde da noite. E o animado ritmo ragtime da época deu lugar ao jazz no século 20.
Ficou socialmente mais aceitável que mulheres solteiras fossem aos bares e casas noturnas com amigas para conhecer pessoas. E, com os novos espaços, surgiram novas formas de sinalizar interesse.
Algumas casas noturnas da cidade eram “imensas, com vários andares, pisos móveis e até shows de balé na água”, segundo a professora de História Social do Século 20 Jennifer Evans, da Universidade Carleton de Ottawa, no Canadá. Ela é a autora do livro Life Among the Ruins: Cityscape and Sexuality in Cold War Berlin (“Vida em meio às ruínas: a paisagem urbana e a sexualidade na Berlim da Guerra Fria”, em tradução livre).
A tecnologia da época permitia que as pessoas flertassem em casas agitadas.
A casa noturna berlinense Residenz-Casino, mais conhecida como Resi, ficou famosa por oferecer aos seus frequentadores meios de fazerem contato entre si. Eles usavam o telefone ou um elaborado sistema de tubos pneumáticos em cada mesa.
Nele, as mensagens podiam ser colocadas dentro de um cartucho metálico e empurradas para um tubo, onde eram sugadas a vácuo até o seu destino.
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Com isso, uma pessoa podia escrever uma mensagem no papel e enviá-la para uma central de distribuição.
Além das mensagens, poderiam ser comprados e enviados presentes para pessoas de interesse romântico pretendidas, “desde cigarros e pequenas bugigangas até cocaína”, segundo Evans.
“Devia ser bastante provocador observar outra pessoa, no outro lado do salão, recebendo a mensagem, escondida à vista de todos”, destaca a professora.
“Suas reações, positivas ou negativas, imediatas e sem filtro, eram amplificadas pela sensação de alegria e frivolidade no salão. Talvez devêssemos trazê-las de volta.”
O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, trouxe o fim desta forma de interação social, segundo ela. Mas alguns sistemas de comunicação das casas noturnas permaneceram no que se tornaria Berlim Ocidental, após a guerra. O próprio Resi reabriu em 1951.
“Imagino que estejamos sempre reinventando formas de conversar com as outras pessoas, expressando nossos desejos, nesses espaços do semimundo [marginais ou clandestinos]”, segundo Evans. “Isso parece dizer muito sobre como são os seres humanos e o quanto buscamos manter conexão.”
Sinais secretos na cultura LGBTQIA+
Os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo precisaram depender, por muito tempo, de modos alternativos de comunicação, devido ao histórico de opressão e marginalização sofrido pelas comunidades LGBTQIA+.
Historicamente, sinais secretos permitiam a essas pessoas encontrar parceiros, livres da hostilidade, violência e leis repressivas. O relacionamento entre pessoas do mesmo sexo era ilegal até os anos 1960 e 1970 em grande parte da Europa — e até os anos 2000, nos Estados Unidos.
O cravo verde, por exemplo, se popularizou originalmente como símbolo com significado oculto graças ao escritor homossexual irlandês Oscar Wilde (1854-1900).
Em 1892, Wilde instruiu alguns amigos a usá-los na lapela para a noite de abertura da sua peça O Leque de Lady Windermere. Questionado sobre o seu significado, o escritor teria respondido: “Nenhum, na verdade. Mas isso é exatamente o que ninguém irá adivinhar.”
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“Isso resume tantos símbolos queer”, afirma Sarah Prager, autora do livro Queer, There and Everywhere: 27 People who Changed the World (“Queer, ali e em toda parte: 27 pessoas que mudaram o mundo”, em tradução livre) e de outros livros sobre a história LGBTQIA+. “Eles precisam ser dicas e indicações ocultas, sem declarar abertamente seu significado.”
Para ela, “este pode ser um desafio para os historiadores. Alguns desses símbolos podem nunca ser totalmente confirmados ou separados da lenda, pois toda a questão é poder se comunicar em segredo, em tempos de opressão.”
Outras flores e plantas já foram associadas à comunidade LGBTQIA+.
“Além do cravo verde, alguns dos exemplos mais antigos de floriografia queer são a violeta e a lavanda”, segundo Prager. “As cores púrpura, lavanda [e] violeta são associadas à comunidade queer há séculos.”
“Achamos que isso remonta a Safo, a poetisa grega do século 6 a.C., [que] escreveu sobre mulheres que amavam outras mulheres. Ela é um dos primeiros exemplos registrados de mulheres queer.”
“Tenho tatuagens, brincos e roupas que sinalizam minha condição queer, para facilitar minha sensação de comunidade com as pessoas”, explica Prager. “Minha sensação quando vejo outra pessoa mostrando um desses símbolos é um reconhecimento instantâneo de comunidade, segurança e afinidade.”
Com a liberação sexual e musical dos dançantes anos 1960 e 1970, a cultura queer encontrou uma nova voz. Surgiram cada vez mais espaços para que a comunidade LGBTQIA+ pudesse buscar o amor.
Na Alemanha, por exemplo, “os homens gay usavam as páginas de Contatos Desejados de revistas como Der Kreis e, mais tarde, nas revistas gay, como Him”, segundo Jennifer Evans.
“Ali, eles publicavam anúncios em busca de ‘amizade’ ou companheirismo… ou às vezes, mais abertamente, em busca de trocar fotos.”
O teste do tempo
O desejo de encontrar um possível amor e se conectar alegremente por meio de gestos em código com significado implícito permanece até hoje, seja em perfis de aplicativos de namoro, presenças online curadas, pings, curtidas, rolagem de telas e cumprimentos.
“Existe um longo histórico de escritos secretos, muito antes dos conteúdos eróticos em mensagens de texto ou de entrarmos nas mensagens diretas de alguém, como eles dizem”, explica Evans.
Ela destaca que o flerte e os primeiros estágios do cortejo são associados, há muito tempo, ao desenvolvimento de novas tecnologias, que permitem que as pessoas comuniquem pensamentos e sensações ocultas, mesmo que à vista de todos.
Eles variam “desde símbolos como um lenço colorido pendurado no bolso de trás de um jeans no flerte gay até emojis significativos e abreviações em mensagens de texto eróticas”, segundo Evans.
A professora salienta que, às vezes, este comportamento furtivo serve para manter as pessoas em segurança, quando a adoção de certas práticas sexuais puder colocar alguém em perigo se vier a público, por exemplo. Mas, de forma geral, o objetivo é a pura emoção de compartilhar intimidades, segundo ela.
Os códigos, rituais e imagens cuidadosamente compostas simplesmente fazem “parte do jogo”.