Alexandre de Moraes: o que Lei Magnitsky muda na vida de ministro do STF
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- Author, Julia Braun, Luiz Fernando Toledo e Daniel Gallas
- Role, Da BBC Brasil em Londres
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O anúncio, pelos Estados Unidos, da imposição de novas sanções ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deve dificultar o acesso do magistrado brasileiro a uma série de serviços financeiros e de tecnologia.
As medidas contra Moraes foram impostas com base na Lei Magnitsky, uma das mais severas punições disponíveis para Washington contra estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
Há três consequências principais para quem é colocado na lista de sancionados pela legislação: proibição de viagem aos EUA, congelamento de bens nos EUA e proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo penalizado.
Serviços financeiros
O último ponto previsto pela lei, que trata das transações financeiras, é o que costuma causar maiores problemas às pessoas sancionadas pelos EUA, afirmou Natalia Kubesch, advogada da Redress — entidade britânica que ajuda vítimas de tortura e abusos de direitos humanos em diversas partes do mundo — em entrevista à BBC News Brasil.
Isso significa, em tese, que os cartões de crédito de Moraes podem ser cancelados — mesmo se emitidos por bancos no Brasil — já que as empresas de cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas.
Porém, segundo Kubesch, isso também pode não acontecer, já que decisões como essa costumam ser analisadas caso a caso pelas instituições financeiras. Mas a advogada afirma que há precedentes em que isso aconteceu.
“A American Express anunciou no ano passado que havia encerrado contas de clientes [sancionados pela Lei Magnitsky]. Eles provavelmente tinham ligações com o governo do Irã, então a operadora encerrou completamente essas contas de clientes”, diz a especialista.
“Da mesma forma, em 2022, Visa, MasterCard e American Express bloquearam certos bancos russos de suas redes de pagamento após a imposição de sanções.”
Também existe a possibilidade do ministro ser impedido de manter conta em bancos brasileiros com ligação ao sistema americano, já que instituições financeiras de qualquer país que mantêm contas ou cartões para pessoas punidas pela Lei Magnitsky podem ser alvo de sanções.
Indivíduos sob a jurisdição americana também podem ser punidos por manter negócios ou fazer transações com indivíduos sancionados.
Redes sociais e plataformas de tecnologia
E as contas de mídias sociais de Alexandre de Moraes? As sanções americanas poderiam forçar empresas baseadas nos EUA — como Google, Meta e X — a cancelarem as contas do juiz brasileiro?
Kubesch afirma que existe uma “zona jurídica cinzenta” quanto a isso.
“Ser sancionado não o proíbe de ter uma conta em uma rede social. E empresas como Twitter e o Facebook não necessariamente violariam as sanções ao permitir que alguém tivesse uma conta”, diz a advogada.
Isso porque vetar o acesso de uma pessoa a uma plataforma de comunicação de massa por causa de sanções seria visto por muitos como uma violação do seu direito à liberdade de expressão, diz Kubesch.
“Mas existe uma área cinzenta porque contas em redes sociais podem ser usadas para permitir ou facilitar a potencial proibição de uma sanção, ou podem promover sua agenda específica”, diz a advogada.
“Há precedentes em que o Facebook bloqueou em 2017 contas do chefe da República Chechena da Rússia, patrocinado pelo Kremlin, depois que ele foi sancionado”, ressalta Kubesch.
“Há precedentes de plataformas de mídia bloquearam contas após a imposição de sanções, mas isso também pode, às vezes, ser uma abordagem proativa [das empresas de mídias sociais], em vez de ser uma violação direta, resultado da qual eles teriam que agir.”
Em teoria, Moraes também poderia sofrer restrições para acessar plataformas de tecnologia que oferecem armazenamento em nuvem, contas de e-mail ou serviços de pagamento, como PayPal.
Ele também poderia ser impedido de assinar serviços de streaming americanos.
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Segundo o texto, Moraes é “alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses”.
O STF também manifestou em nota “solidariedade” a Moraes e afirmou que todas suas decisões na ação que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro como réu foram confirmadas por outros ministros da Corte.
O que é a Lei Global Magnitsky
Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.
Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.
Desde então, a lei passou a ter aplicação global.
Em 2017, pela primeira vez a lei foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.
Na ocasião, três latino-americanos foram alvo de sanções por corrupção e violações de direitos humanos: Roberto José Rivas Reyes, então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Juárez Ramírez, deputado da Guatemala; e Ángel Rondón Rijo, empresário da República Dominicana.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano. Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato administrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.
Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.
Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.
A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.