Como mudanças climáticas ameaçam produção de charutos em Cuba
Crédito, Vinicius Pereira / BBC News Brasil
- Author, Vinicius Pereira
- Role, De São Paulo para a BBC News Brasil
Componente fundamental do clichê sobre Cuba ao lado dos carros antigos, da salsa e do rum, os charutos produzidos na ilha fazem sucesso por todo o mundo. Parte responsável por essa fama mundial, a região de Viñales, na província de Pinar del Río, sempre ofereceu as melhores plantas de tabaco aos charutos produzidos por lá, graças às condições climáticas perfeitas ao cultivo, como a umidade e composição do solo.
Agora, no entanto, a inconstância das chuvas na região, além do impacto do aumento dos níveis do oceano próximo à província, já preocupa produtores locais de tabaco, que comercializam 80% da produção com o governo.
Por isso, parte desses agricultores busca novas fontes de receitas, como a de receber turistas nas plantações, unindo duas das indústrias vitais para Cuba furar o bloqueio econômico dos EUA.
“Sou agricultor aqui há muitas décadas. Mas parece que a cada dia está mais difícil prever as chuvas. Ou chove muito ou, como nos últimos meses, não chove. Aí tivemos que utilizar bombas dos rios para regar. O bom é quando os turistas vêm, então posso oferecer um pouco de charutos produzidos aqui na minha propriedade para a venda”, conta José Ignácio, agricultor, que utiliza o restante da produção para produzir charutos artesanais.
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Mudanças climáticas
Para além da pequena ilha do Caribe, os efeitos das alterações climáticas já pressionam a produção do tabaco no mundo todo — inclusive no Brasil.
Segundo Alê Delara, consultor em gestão de riscos no agronegócio e analista de mercados agrícolas, os preços subiram no último ano, atingindo o valor mais alto desde 2013, devido ao acúmulo de problemas na produção causados, principalmente, por fenômenos climáticos.
“Desde 2020 estamos sob influência de fenômenos que trazem mudanças significativas. Entre 2020 até 2023, tivemos o La Niña; em 2024 o El Niño; e no começo deste ano, o retorno do La Niña”, afirma.
O preço médio do tabaco mais produzido para exportação no mundo passou de US$ 4 o kilo para US$ 6 nos últimos anos (de R$ 22,75 a R$ 34,15). “Tanta atividade em pouco tempo torna difícil o manejo das culturas e o bom desenvolvimento das lavouras, pois traz condições extremas como estiagem ou excesso de chuvas, frio extremo ou calor acima da média”, diz.
A China é o maior produtor mundial de tabaco, com cerca de 2 milhões de toneladas ao ano, seguida pela Índia (800 mil toneladas/ano) e pelo Brasil, maior exportador global, com 600 mil toneladas.
Apesar de ter uma produção relativamente pequena, com cerca de 30 mil toneladas ao ano, Cuba produz o melhor tabaco do mundo: suas folhas premium têm sabor e aroma inigualáveis e combustão perfeita quando enroladas em um charuto.
Não à toa, os produtores cubanos são responsáveis por fornecer a matéria prima para as marcas mais tradicionais de charutos no mundo, como Cohiba, Montecristo e Romeo y Julieta — que chegam a custar mais de US$ 100 (R$ 569) a unidade nas lojas estatais “Habanos”, as únicas autorizadas a comercializar as marcas cubanas na ilha.
Mas, apesar da qualidade, Cuba também não consegue se furtar do impacto das mudanças no clima em suas plantações. De novembro de 2024 a janeiro de 2025, as áreas com seca meteorológica aumentaram 47% no país em comparação ao trimestre anterior, dentre elas a província de Pinar del Río, grande produtora de tabaco, segundo dados do INMET (Instituto de Meteorologia da República de Cuba).
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Além disso, de acordo com uma avaliação do governo de Cuba enviada à ONU (Organização das Nações Unidas), essas regiões produtoras de tabaco na ilha já observam um impacto significativo das variações de temperatura e umidade relativa do ar, causando um estresse hídrico nas plantas.
O aumento do nível médio do mar também representa uma séria ameaça à cultura do tabaco, dada a intrusão de camadas de água salina nas plantações, causando a deterioração das propriedades químicas e físicas da matéria-prima, afetando principalmente a combustão, segundo a avaliação.
Uma alta concentração de sais faz com que a planta do tabaco tenha que usar mais energia para absorver água. Em condições extremas, as plantas não conseguem absorver água e murcham, mesmo quando o solo ao redor das raízes estiver úmido ao toque.
“Há um projeto cubano que monitora há muitos anos a elevação do nível do mar, o aumento da salinidade das terras produtivas, o aumento das temperaturas médias anuais e a questão das inundações, que passaram de estações relativamente estáveis em termos de forma e duração para formas mais inesperadas”, diz Jorge Alfredo Carballo Concepción, professor da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO) em Cuba e especialista em projetos focados na redução de riscos de desastres e adaptação às mudanças climáticas.
“Certamente há evidências claras de que as mudanças climáticas têm um impacto maior nos estados insulares. No caso cubano, há medições de mais de 30 anos que corroboram essa ideia”, completa.
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Charutos e turistas
A província de Pinar del Río, distante cerca de 170 km de Havana, fica no extremo oeste da ilha. No caminho, partindo da capital cubana, uma planície seca, com poucas árvores, e muitas marcas de incêndios florestais, dá o tom da paisagem. A viagem parece mais longa, dado que é impossível ganhar velocidade nas estradas devido à alta quantidade de buracos.
Já próximo às plantações e a cidade de Viñales, o verde começa a ganhar força. No vale que se faz precursor das plantações, palmeiras gigantes e uma variedade maior de flora aparecem — insinuando que aquele local da província possui melhores condições climáticas para a agricultura.
É ali que ficam algumas das propriedades, como a “Finca La Esmeralda”, que plantam o tabaco e, também, recebem turistas. Por ali, um cardápio de cafés em euro já mostra que o local é destinado ao turismo. Além disso, cada charuto artesanal é oferecido a US$ 10 (R$ 57) a unidade — preço bem abaixo dos de marcas famosas.
Na província, contudo, é fácil perceber que, em meio às alterações climáticas, soma-se ainda os problemas econômicos de Cuba, que convive com escassez e inflação em alta, dificultando a adaptação dos produtores nas plantações.
“Na última plantação, devido à escassez de chuva, tivemos que bombear água dos rios. O problema é que o combustível, agora, é pago em dólar e está muito caro, assim como peças de reposição, madeira para a secagem, etc”, afirma José, da La Esmeralda.
Essas dificuldades econômicas, com apagões e escassez, espantam turistas. Não à toa, o número de visitantes no país não atingiu a meta estipulada no ano passado, com cerca de dois milhões de pessoas visitando toda a ilha, ante os três milhões desejados pelo governo.
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“Devido à crescente crise econômica do país, o número de turistas diminuiu e, com isso, o número de visitas às fazendas de tabaco também diminuiu. Enquanto a situação continuar assim, não creio que haja aumento do turismo no local”, conta Adrián Serrano Junco, guia que cresceu na região.
Segundo ele, esse impacto poderá ser sentido, também, na produção de tabaco na região, onde produtores utilizam os 20% restantes da produção para enrolar e vender charutos próprios.
“Se não houver turistas visitando as fazendas, haverá uma diminuição na renda interna desses agricultores e, portanto, afetará a produção de tabaco em si, porque quando a economia interna da fazenda cai, eles têm que cortar despesas. Além disso, a mão de obra pode ser afetada, pois terá que ser significativamente reduzida, dado que as folhas são coletadas e armazenadas de maneira manual”, diz.
O governo cubano afirma que toma medidas para mitigar esses efeitos nas plantações de tabaco do país. De acordo com cartilha divulgada, o estado cubano já trabalha no melhoramento genético do tabaco, para obter variedades resistentes ao estresse hídrico no país; além de uma maior utilização de adubos verdes e produtos biológicos na gestão sustentável do solo, com o objetivo de minimizar o uso de produtos químicos e fertilizantes minerais.
Por enquanto, no entanto, a pressão nos preços da matéria prima dos charutos não reduziu o apetite pelos “puros” cubanos. A Habanos, estatal responsável por produzir as marcas mais famosas, registrou um recorde no lucro no ano passado, com US$ 827 milhões (R$ 4,7 bilhões), segundo reportou a agência de notícias Reuters.