Solidão: como passar mais tempo na natureza pode ajudar
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- Author, Julia Hotz
- Role, BBC Future
Kye Aziz nunca se considerou um amante da natureza. Solicitante de asilo vindo da Indonésia e atualmente morando em Melbourne, na Austrália, ele já tinha passado bastante tempo no interior e em regiões montanhosas.
Mas foi só depois de participar de um piquenique e uma atividade de jardinagem – prescritos como parte de um tratamento social – que ele passou a ver a natureza de um outro jeito.
“Você sente como se tivesse sido transportado para outro lugar”, conta Aziz. “Morar na Austrália e viver a cultura ocidental pode ser algo muito solitário e individualista, mas quando estou sentado ao ar livre, rindo com os outros, me sinto em casa.”
Existe uma ciência por trás dessa sensação. Nos anos 80, como parte de uma estratégia de saúde pública para ajudar trabalhadores urbanos estressados a se curar por meio da natureza, o governo japonês investiu em uma campanha chamada “shinrinyoku”, ou banho de floresta.
Inicialmente, “era uma sensação, e não uma ciência”, diz Qing Li, médico e professor clínica da Escola de Medicina de Nippon, em Tóquio.
Mas nas últimas décadas, Li e outros pesquisadores descobriram que o banho de floresta está associado à redução da pressão arterial, à estabilização do sistema nervoso, redução de hormônios do estresse, fortalecimento da imunidade e redução da ansiedade, depressão, raiva e fadiga.
O naturalista Edward Wilson costumava dizer que esses benefícios são resultado da “biofilia”, um amor inato pela natureza que explica nossa tendência natural de interagir com plantas, animais e outros humanos.
Ao nos deixar mais calmos e presentes, a natureza pode nos ajudar a superar padrões de pensamentos autodestrutivos que podem aumentar a solidão – uma experiência subjetiva, não um estado objetivo.
Estudos já haviam indicado que o contato com a natureza reduz a atividade neural no córtex pré-frontal subgenual, uma área do cérebro ligada à ruminação – padrões de pensamentos negativos e repetitivos associados à solidão.
Agora, os primeiros resultados de um experimento inédito de prescrição social baseada na natureza – com alcance global, que vai do Equador à Austrália – sugerem que passar tempo com outras pessoas ao ar livre pode mudar drasticamente a forma como vemos a nossa saúde, cuidados médicos e a solidão.
“Quando as pessoas estão ao ar livre, elas falam sobre estarem relaxadas, longe de tudo, e como aquilo faz com que elas se sintam bem”, afirma Jill Litt, pesquisadora em estudos ambientais e saúde pública da Universidade do Colorado Boulder, nos Estados Unidos.
“A natureza tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam prontas para mudanças, mais vulneráveis e abertas a novas experiências.”
Um experimento global inédito de combate à solidão
Em 2019, pouco antes da pandemia de Covid-19 tornar a solidão um problema de saúde global, Litt teve um palpite sobre uma possível solução.
Enquanto observava os benefícios da jardinagem comunitária para a saúde, ela percebeu como “sujar as mãos e estar com outras pessoas parecia importante”.
Litt começou a pensar em outras atividades em grupo baseadas na natureza, como observação de pássaros e caminhadas em trilhas.
E após ler um artigo coescrito por Laura Coll-Planas, médica e pesquisadora de saúde pública na Universidade de Vic- Universidade Central na Catalunha, em Barcelona, ela se questionou sobre o potencial dessas atividades para combater a solidão.
“O que aconteceria se nós misturássemos esses três ingredientes: envolvimento com a natureza, participação em atividades ao ar livre e conexão social com um grupo?”
Foi assim que nasceu o Recetas, uma investigação de cinco anos, envolvendo seis países, sobre a prescrição social baseada na natureza como uma forma de aliviar solidão, melhorar a saúde, e reduzir a pressão sobre os sistemas de saúde. O estudo tem a participação de pesquisadores em Barcelona, Praga, Marselha, Helsinki, Melbourne e Cuenca (no Equador).
Agora, no quarto ano da pesquisa, o Recetas já está em fase de testes e conta com o apoio de sistemas de saúde locais.
“Se for bem-sucedido, esse estudo pode mudar o modelo de cuidado, tornando-o mais centrado nas pessoas, com menos dependência de medicamentos, e utilizando as comunidades como parte ativa na gestão da saúde”, pontua Litt, que lidera o grupo junto à Coll-Planas.
O Recetas se baseia em dois conjuntos de evidências crescentes: que diversos tipos de prescrições sociais, desde aulas de culinária até oficinas de artes, podem diminuir a sensação de solidão, e que o contato com a natureza traz inúmeros benefícios para saúde.
Um estudo recente da Universidade de Exeter, no Reino Unido, por exemplo, mostrou que prescrições naturais não apenas aumentam significativamente a felicidade dos participantes e a satisfação com a vida, mas também ajudaram a reduzir os custos com cuidados médicos.
Já as análises de pesquisadores na Austrália mostraram que esse tipo de prescrição também contribui para reduzir da pressão arterial.
Mas o Recetas é um dos maiores estudos a focar, especificamente, nos efeitos das prescrições sociais baseadas na natureza sobre a solidão.
“No mundo acelerado que vivemos, estar duas horas frente a frente com outras pessoas é revolucionário e poderoso para nossa saúde”, afirma Coll-Planas.
“Mas esta é a primeira vez que nós estamos fazendo esse tipo de pesquisa ao ar livre, e nós já vimos a forma como a natureza traz um tipo diferente de conexão social.”
Alguns desses efeitos parecem até programados. Um estudo mostrou que pessoas que vivem próximas a áreas verdes relatam menos episódios de solidão. Por outro lado, pessoas vivendo em ambientes “solitários”, marcados por fatores como dependência de carros e pouca vegetação, tendem a reduzir conexões sociais.
Outra perspectiva sugere que a natureza restaura nossa atenção. Nesse sentido, ambientes naturais podem nos preparar para ter mais interações sociais positivas no presente, em vez de nos prender a interações negativas do passado.
“Algumas pessoas nos dizem que elas se sentem muito bem quando estão ao ar livre, mas quando voltam para a casa, elas voltam ao estado negativo que sentiam”, explica Coll-Planas.
Boas memórias e sensação de pertencimento
Além disso, os pesquisadores concordam que a natureza tem um papel poderoso em nos conectar com memórias afetivas.
“Nós temos visto pessoas falando sobre a natureza de uma forma nostálgica, que as remete à infância, ou o tempo com os avós, ou outras memórias positivas”, diz Litt.
Esse é justamente o objetivo do Nerkez Opacin, pesquisador do Instituto de Tecnologia da Royal Melbourne, na Austrália, que trabalha com uma organização não-governamental parceira do Recetas, Many Coloured Sky, que atende solicitantes de asilo da comunidade LGBTQIA+.
“Com frequência, a natureza desperta nostalgia e memórias bonitas de casa, e mesmo que muitos dos nossos participantes tenham fugido de seus países, a natureza o faz lembrá-los de um tempo em que eles se sentiam seguros lá”, ele diz. “É sempre um sentimento positivo.”
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Diante dos desafios enfrentados por pessoas LGBTQIA+ que buscam asilo e refúgio na Austrália, Opacin afirma que seu foco é promover “atividades divertidas na natureza” e ajudar as pessoas a sentirem pertencentes “não apenas a um grupo, mas a sua nova casa.”
Durante oito semanas, essas atividades incluíram observação de morcegos, exploração na praia, e algo chamado “sniff-fari” – uma caminhada na natureza “onde nós saímos para sentir os cheiros das plantas”, explica.
Para planejar essas atividades, Opacin segue a lógica de co-criação – se baseando nos interesses dos participantes, assim como nos recursos disponíveis no local. Às vezes, a natureza tem um papel mais passivo , como em atividades em que o grupo apenas compartilha uma refeição ao ar livre.
“Inicialmente, isso não era parte da intervenção, mas compartilhar uma refeição se mostrou ser não apenas atrativo para nossos participantes encherem a barriga antes de começarem a explorar a natureza, mas também uma forma de puxar uma conversa, falar sobre diferentes culturas e entender melhor uns aos outros”, diz Opacin.
Embora o objetivo do Recetas seja ajudar a reduzir a solidão, Opacin diz que falar sobre isso pode ser um desafio. “Nós tentamos não insistir demais uma vez que as pessoas ficam muito emocionadas se você fala de solidão o tempo inteiro, então em vez disso, nós falamos sobre conexões, encontrar amigos, e o que significa se sentir pertencente a um lugar”, ele explica.
Isso tem sido útil para Aziz. Mais do que qualquer amizade individual, ele diz ter se conectado a um grupo como todo, e encontrado o conforto e a familiaridade que ele sentia em seu país. “Quando a atividade em grupo estava chegando ao fim, eu percebi o quanto eu ia sentir falta daquela rotina, de ver as mesmas pessoas toda semana, passar um tempo na natureza e sentir aquela sensação de pertencimento”, afirma. “Isso meio que matou minha solidão.”