Nana Caymmi: ‘Resposta ao Tempo’ e mais 4 canções essenciais para a MPB
Crédito, Descoloniza Filmes
- Author, Tom Cardoso
- Role, De São Paulo para a BBC News Brasil
Na estreia como cantora, Elis foi obrigada a gravar um disco de rock, imitando Celly Campello (“Viva a Brotolândia”) e Gal, conhecida no meio por não sabia dizer não, sempre sofreu com o excesso de ingerência de empresários e produtores, segundo os conhecedores de sua obra. Nana, não, o consenso entre produtores é que ela gravou sempre o que quis, quando quis, do jeito que quis, com um rigor profissional pouco visto.
“Para as mulheres da minha geração, a meta era dinheiro, sucesso. Se eu fizesse isso, minha família mandava me prender. Meu pai [Dorival Caymmi] era avesso a coisas de dinheiro. E o Dori [ irmão, arranjador de muitos dos seus discos ] também”, disse Nana, em entrevista ao jornal O Globo, em 2012.
A reportagem da BBC News Brasil listou cinco canções essenciais para entender a intérprete Nana Caymmi e sua importância para a música popular brasileira.
Acalanto (1960)
“Boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta”. Desbocada, de temperamento forte, Nana não tinha medo de nada. A canção de ninar, composta pelo pai Dorival Caymmi para a sua primogênita, então com um ano de idade em 1942, só ganhou uma versão de estúdio em 1960. Quem a interpretaria no disco de Dorival seria a sua esposa, Stella Maris, que na hora de gravá-la se sentiu insegura e desistiu.
A missão foi então passada para a filha Nana, ainda uma adolescente. “Meu pai me pegou pelo braço e me levou ao estúdio. A confiança que ele teve em mim nesse dia foi fundamental para a minha carreira, eu nunca havia pensado em ser cantora profissional. Mas tudo correu bem”, disse Nana, em entrevista ao “Jornal do Brasil”, em 1973.
Nana cantou divinamente “Acalanto”, revelando-se, apesar da estreia, uma cantora pronta, dona de uma voz singular, vigorosa, com muito “dó de peito”. Estilo que ia na contramão do minimalismo bossanovista, gênero da moda na época. Apesar dos elogios, Nana não engatou uma carreira artística a partir dessa gravação. Com outras prioridades, como ser feliz com o namorado venezuelano, foi morar na distante Caracas, onde teve as duas filhas, Stella e Denise. A música ficou para depois.
Crédito, Roberto Filho/Divulgacão
Saveiros (1966)
Nana, de volta ao Brasil, se separou do médico venezuelano, se enamorou de Gilberto Gil nos corredores da TV Record e tempos depois já estava morando com o cantor baiano. Eram os tempos dos grandes festivais de música e Nana debutou neles já mostrando coragem e talento. Na final do primeiro Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, em 1966, Nana enfrentou o protesto da plateia do Maracanãzinho ao ser aclamada a vencedora da noite com a sofisticada “Saveiros”, parceria do irmão Dori com Nelson Motta.
O público, ávido por canções mais palatáveis, vaiou Nana do começo ao fim. Ela não deu a mínima. Dali para frente, foi sempre assim. Nana impôs para si própria uma régua artística, um compromisso de gravar apenas o que fazia sentido para ela, independentemente se a escolha resultaria em sucesso ou não.
Só Louco (1975)
Nana Caymmi foi a nepo baby (termo usado para designar os filhos de celebridades que também se tornaram celebridades, muitas vezes com a ajuda da influência dos pais) menos nepo baby da história. É possível afirmar, aliás, que o sobrenome atrapalhou mais do que ajudou. Sendo filha de quem era, irmã de quem era (Dori e Danilo, dois músicos excepcionais), a única mulher da prole teve que percorrer o caminho que a mãe Stella Maris, uma ex-cantora de rádio, nunca teve coragem de trilhar.
E toda vez que Nana decidiu cantar o repertório do pai, fugiu do lugar comum, do caminho mais fácil e confortável. Uma prova disso é “Só Louco”, um dos maiores sucessos da sua carreira. Na voz de Nana, a música, um samba-canção gravado por Dorival em 1956, se tornou uma moderna e sofisticada peça com tons jazzísticos, uma prova da versatilidade de Nana, capaz de cantar qualquer gênero imprimindo o seu estilo tão peculiar.
Crédito, Acervo Família Caymmi
Sentinela (1980)
A canção, gravada fora da discografia de Nana, numa participação da cantora no disco Milton Nascimento, lançado em 1980 – que leva o nome dessa canção -, é um dos momentos mais bonitos da carreira da cantora e da história da música popular brasileira.
A letra de Fernando Brant virou um dos hinos de resistência da ditadura militar, cantada durante os desdobramentos da morte do estudante secundarista Edson Luís, assassinado por policiais na porta do restaurante Calabouço, no centro do Rio, em março de 1968.
Resposta ao tempo (1988)
Ela nunca mais repetiu o mesmo sucesso. Em 2022, resignada, queixou-se, em entrevista ao jornal “O Globo”: “Estou defasada, o canto não é mais uma coisa que se queira ouvir, os meus fãs estão velhos. Com o fracasso do disco, com a queda das gravadoras, com essa música que está sendo tocada no Brasil. Isso não é para mim! Não é que eu tenha me aposentado, me aposentaram.”
Mais um exagero de uma artista mercurial e dramática. Nana seguiu fazendo coisas relevantes artisticamente – a sua profissão de fé, desde sempre – até ser internada para tratar de uma arritmia cardíaca e implantar um marca-passo, nove meses antes de seu falecimento.
A morte, essa sim, a aposentou. O legado, imenso, é imortal.