Tarifaço de Trump: pequenas empresas chinesas enfrentam política do governo americano
Crédito, Reuters
- Author, Laura Bicker
- Role, Correspondente na China, BBC News
- Reporting from Guangzhou, China
“Trump é louco”, diz Lionel Xu, rodeado pelos kits repelentes de mosquitos da sua empresa.
Seu produto chegou a ser um dos mais vendidos nas lojas do Walmart nos Estados Unidos. Agora, eles estão embalados em caixas, em um armazém na China.
“É muito difícil para nós”, lamenta ele. Cerca da metade de todos os produtos fabricados pela sua companhia, a Sorbo Technology, tem como destino os Estados Unidos.
É uma empresa pequena para os padrões chineses, que emprega cerca de 400 funcionários na província de Zhejiang, no leste do país. Mas não é a única a sentir os efeitos da guerra comercial.
“Estamos preocupados”, prossegue Xu. “E se Trump não mudar de ideia? Será perigoso para a nossa fábrica.”
Perto dali, Amy tenta vender máquinas de produção de sorvete da Guangdong Sailing Trade Company no seu estande. Seus principais compradores também estão nos Estados Unidos, incluindo o Walmart.
“Já suspendemos a produção”, ela conta. “Todos os produtos estão no armazém.”
A mesma história se repete em quase todos os estandes da extensa Feira de Cantão, no centro comercial de Guangzhou.
A BBC conversou com Xu enquanto ele se preparava para levar alguns compradores australianos para almoçar. Eles vieram procurar barganhas e esperam conseguir um desconto no seu produto.
“Vamos ver”, diz ele, sobre as tarifas. Xu acredita que Trump irá voltar atrás.
“Talvez melhore daqui a um ou dois meses. Talvez, talvez.” Xu cruza os dedos.
Crédito, Xiqing Wang/BBC
Todas estas medidas desorientaram os negociantes das mais de 30 mil empresas que compareceram à feira anual para exibir seus produtos em diversos pavilhões, que totalizam uma área do tamanho de 200 campos de futebol.
Na seção de produtos domésticos, as empresas exibiram de tudo, desde máquinas de lavar até secadoras de roupas, de escovas de dentes elétricas a espremedores de frutas e máquinas de fazer waffles.
Compradores vieram de todas as partes do mundo, para ver os produtos pessoalmente e fechar negócios.
Mas o custo de uma batedeira ou de um aspirador de pó provenientes da China, com as tarifas de importação, ficou alto demais para a que a maioria das empresas americanas consiga repassar aos seus clientes.
As duas maiores economias do mundo chegaram a um impasse. E os produtos chineses destinados aos lares americanos, agora, estão se acumulando nos pisos das fábricas.
Os efeitos desta guerra comercial, provavelmente, serão sentidos nas cozinhas e nas salas de estar dos Estados Unidos, que, agora, precisarão comprar estes produtos a preços mais altos.
A China mantém sua postura desafiadora e prometer levar esta guerra comercial “até o fim”. E alguns dos expositores da feira adotaram o mesmo tom.
Hy Vian procura comprar fogões elétricos para sua empresa e acredita que os efeitos das tarifas não são tão importantes assim.
“Se não querem que nós exportemos, eles que esperem. Já temos um mercado doméstico na China e daremos os melhores produtos primeiro para os chineses.”
Crédito, Xiqing Wang/BBC
A China, de fato, tem uma grande população de 1,4 bilhão de pessoas. E, teoricamente, trata-se de um forte mercado doméstico.
A China pode estar em uma posição melhor para enfrentar esta tempestade do que outros países. Mas a realidade é que a economia do país ainda é voltada para a exportação.
No ano passado, as exportações foram responsáveis por cerca da metade do crescimento econômico do país.
A China também continua sendo a maior fábrica do mundo. O banco de investimentos americano Goldman Sachs calcula que cerca de 10 a 20 milhões de pessoas na China podem estar trabalhando com exportações destinadas apenas aos Estados Unidos.
E alguns desses profissionais já estão sentindo as consequências.
Crédito, Xiqing Wang/BBC
Não muito longe da Feira de Cantão, existem inúmeras oficinas em Guangdong que fabricam roupas, calçados e bolsas. Elas constituem o centro de fabricação de empresas como a Shein e a Temu.
Cada edifício abriga diversas fábricas em vários andares. Seus funcionários trabalham 14 horas por dia.
Em um pavimento perto das fábricas de sapatos, alguns trabalhadores se reúnem agachados para fumar e conversar.
“As coisas não vão bem”, diz um deles, que prefere não revelar seu nome.
Seu amigo alerta para que ele pare de falar. Discutir dificuldades econômicas pode ser um tema sensível na China.
“Tivemos problemas desde a pandemia de covid e, agora, vem esta guerra comercial”, ele conta. “Eu costumava receber 300-400 yuans (US$ 40-54, cerca de R$ 236-318) por dia e, agora, com sorte, ganho 100 yuans (cerca de R$ 79) por dia.
Crédito, Xiqing Wang/BBC
O trabalhador afirma que é difícil encontrar emprego no momento. Outros que fabricam calçados nas ruas também nos disseram que ganham apenas o suficiente para as necessidades básicas.
Alguns na China se orgulham dos seus produtos, mas outros enfrentam as dificuldades causadas pelo aumento das tarifas de importação e imaginam como esta crise irá terminar.
A China enfrenta a possibilidade de perder um parceiro comercial que compra mais de US$ 400 bilhões (cerca de R$ 2,36 trilhões) em produtos todos os anos.
Mas as consequências também serão sentidas no outro lado do oceano. Economistas alertam que os Estados Unidos podem estar caminhando para a recessão.
Além de todas as incertezas, está o presidente Trump, conhecido por seu comportamento temerário. Ele continua pressionando a China, mas Pequim se nega a recuar.
A China declarou que não irá aumentar ainda mais a alíquota atual de 125% sobre os produtos importados dos Estados Unidos. Eles poderão retaliar de outras formas, mas esta decisão oferece aos dois lados um espaço para respirar, depois da semana que deu início a esta guerra comercial.
Existe pouco contato público entre Washington e Pequim e nenhum dos lados parece disposto a comparecer à mesa de negociação no futuro próximo. E, enquanto isso, algumas das empresas participantes da Feira de Cantão usam o evento para encontrar novos mercados.
Amy, por exemplo, espera que suas máquinas de produção de sorvete possam seguir para um novo destino.
“Esperamos abrir o novo mercado europeu”, destaca ela. “Talvez a Arábia Saudita. E, é claro, a Rússia.”
Outros acreditam que ainda seja possível ganhar dinheiro na China. Um deles é Mei Kunyan.
Com 40 anos de idade, ele conta que ganha cerca de 10 mil yuans (cerca de R$ 7,9 mil) por mês na sua fábrica de calçados, que vende para o mercado chinês. Muitos fabricantes importantes de calçados se mudaram para o Vietnã, onde os custos trabalhistas são mais baixos.
Mei também percebeu o mesmo que as empresas à sua volta estão descobrindo agora.
Para ele, “os americanos são muito complicados.”