Peter Navarro, o ‘czar do tarifaço de Trump’, que acredita que os ‘EUA estão morrendo por culpa da China’
Crédito, Getty Images
Ele é muito próximo do presidente, que frequentemente se refere a ele como “meu Peter”.
Mas Peter Navarro, o principal assessor de Trump para comércio e manufatura, e um dos economistas mais poderosos da atualidade, também tem críticos ferozes dentro do governo dos Estados Unidos.
Elon Musk, com quem ele teve um desentendimento público, o descreveu como “um idiota mais burro do que um saco de tijolos”.
Mais tarde, Musk se desculpou… com os tijolos.
Navarro havia dito que Musk, mais do que um fabricante, é um “montador” de automóveis, e que a crítica do bilionário do setor de tecnologia ao alcance das tarifas se devia ao fato de ele importar peças para seus veículos da Tesla, de modo que ele estava zelando por seus próprios interesses.
A briga foi a maior demonstração pública de divergência até agora dentro da equipe mais próxima de Trump, que conta com Musk, o homem mais rico do mundo, como chefe do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), encarregado de reduzir o tamanho e os gastos do governo federal.
Mas Navarro queria ir ainda mais além, disseram fontes com conhecimento sobre como as tarifas foram criadas à Bloomberg.
Crédito, Getty Images
O assessor propôs uma tarifa geral de 25% — Trump acabou optando por uma tarifa de 10% — ou uma fórmula “recíproca” baseada nos déficits comerciais com cada país, de acordo com a agência de notícias americana.
Após semanas de deliberação, o plano que emergiu da equipe de Trump foi o que mais se assemelhava à proposta de Navarro.
O destino destas tarifas, no entanto, permaneceu incerto na quarta-feira, depois que Trump anunciou que havia reduzido as tarifas recíprocas para 10%, uma taxa universal para todos os países, incluindo México e Canadá.
E que por 90 dias ele suspenderia a aplicação de novas tarifas a todos os países do mundo acima destes 10%.
Estas novas medidas não se aplicam à China, que deve enfrentar uma tarifa de 125% porque, de acordo com Trump, Pequim optou por tomar medidas retaliatórias contra os EUA.
‘Sistema quebrado’
Os efeitos deste “experimento extremo”, como muitos economistas definem, abalaram a economia global antes mesmo de sua implementação, com perdas superiores a trilhões de dólares nos mercados financeiros, cujas consequências, alertam os especialistas, serão sentidas nos nossos próprios bolsos.
Mas Navarro, assim como Trump, acredita que o melhor (para os EUA) ainda está por vir.
“Chegaremos a um ponto em que os EUA vão voltar a fabricar coisas novamente, os salários reais vão subir, e os lucros vão aumentar”, disse Navarro em uma entrevista recente à rede CNBC.
Em um artigo de opinião publicado no Financial Times, Navarro afirmou que as tarifas “vão consertar um sistema comercial internacional quebrado”, e que elas buscam “corrigir um erro” — basicamente, o déficit comercial dos EUA, que, na sua opinião, “transferiu mais de US$ 20 trilhões de riqueza americana para mãos estrangeiras”.
No entanto, suas ideias são vistas por outros economistas como pouco ortodoxas ou até mesmo sem respaldo empírico, como vários professores universitários sugeriram ao jornalista Gerardo Lissardy, da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, em 2019, quando Trump impôs tarifas sobre as importações chinesas durante seu primeiro mandato.
A China é, de fato, uma das grandes obsessões de Navarro.
O assessor de Trump escreveu três livros sobre a potência asiática e seu poder econômico: The Coming China Wars (“As Próximas Guerras da China”, em tradução livre), Death by China (“Morte pela China”, em tradução livre) e Crouching Tiger: What China’s Militarism Means for the World (“Tigre de prontidão: O que a ascensão militar da China significa para o mundo”).
Trump recrutou Navarro para sua campanha eleitoral de 2016, quando concorreu ao seu primeiro mandato, depois que seu genro Jared Kushner descobriu o livro Death by China online. A obra, escrita em parceria com Greg Autry em 2012, deu origem a um documentário de mesmo nome narrado pelo ator Martin Sheen.
Navarro argumenta no livro que a China tira vantagem do comércio global manipulando sua moeda, subsidiando produtos e permitindo condições de trabalho proibidas nos EUA.
Ele sugere uma resposta firme, impedindo por exemplo que as companhias chinesas adquiram empresas americanas ou pressionem para obter acesso à tecnologia dos EUA.
Crédito, Getty Images
“Como os livros do professor Navarro não oferecem muitos dados, não há como outros economistas verificarem se os dados foram analisados adequadamente”, disse à BBC News Mundo, em 2019, Amihai Glazer, professor de economia da Universidade da Califórnia em Irvine, onde Navarro trabalhou, e que revisou suas publicações.
Início democrata
Filho de pai saxofonista e criado desde pequeno pela mãe divorciada, Navarro, hoje com 75 anos, tem doutorado em economia pela Universidade de Harvard, e é professor emérito da Universidade da Califórnia em Irvine.
No início de sua carreira, ele se especializou em energia, e chegou a ser um defensor do livre comércio, mas mudou de posição diante do que considerava perdas de empregos devido à concorrência estrangeira.
Ele também concorreu em várias eleições locais na Califórnia como democrata, sem vencer nenhuma delas.
Durante o primeiro mandato de Trump, Peter Navarro chefiou o Departamento de Políticas de Comércio e Manufatura da Casa Branca, que ele criou em 2017.
Naqueles quatro anos, Trump iniciou uma guerra comercial com a China, impondo tarifas no valor de bilhões de dólares sobre produtos eletrônicos, têxteis e componentes industriais.
Mas naquele primeiro mandato, a equipe econômica de Trump ainda estava dividida entre os mais protecionistas, como Navarro, e os defensores do livre comércio que, até certo ponto, moderavam suas políticas.
Na equipe que cerca Trump hoje, e na qual Navarro tem um grande peso, há pouco espaço para esse tipo de debate.
Fiel até mesmo na prisão
A lealdade de Peter Navarro ao presidente levou até mesmo à sua prisão.
Após a eleição de novembro de 2020, vencida pelo democrata Joe Biden, Navarro trabalhou em várias estratégias para reverter os resultados da eleição, e manter Donald Trump na Casa Branca, como ele mesmo reconheceu em um livro de memórias de 2021, In Trump Time (“Em Tempos de Trump”, em tradução livre).
O plano exigia que os republicanos do Congresso adiassem a certificação da vitória eleitoral de Biden, um procedimento padrão que estava programado para 6 de janeiro de 2021.
Crédito, Getty Images
Naquele dia, centenas de apoiadores de Trump invadiram o Congresso dos EUA para tentar impedir a certificação, agredindo policiais e funcionários durante o processo, no que se transformou em um dos dias mais sombrios para a democracia americana nos últimos anos.
Em sua investigação para apurar a responsabilidade pelo ocorrido, um comitê especial da Câmara dos Representantes dos EUA intimou Navarro pela primeira vez em fevereiro de 2022, mas o ex-assessor não entregou nenhum dos e-mails ou documentos solicitados pelo comitê.
Navarro alegou, então, que Trump havia ordenado que ele invocasse o “privilégio executivo”, um princípio legal que permite que algumas comunicações da Casa Branca sejam mantidas em sigilo.
O juiz do caso determinou que o privilégio executivo não protegia Navarro da intimação — e, três anos após o ataque ao Capitólio, Navarro foi condenado a quatro meses de prisão por desacato e multado em US$ 9,5 mil.
Ele se tornou assim o primeiro funcionário da era Trump a ser preso.
Logo após sair da prisão, Navarro participou da Convenção Republicana realizada poucos dias depois do atentado contra Trump, que aceitou formalmente sua indicação como candidato para a eleição presidencial de 2024.
Navarro brincou com os milhares de apoiadores de Trump dizendo que eles deveriam ver “a tatuagem MAGA que fiz (na prisão)”, uma referência ao slogan do presidente, Make America Great Again (“Tornar os EUA Grande Novamente”).
Mas também se apresentou como o mártir que, de certa forma, salvou Trump: “Eles queriam que eu traísse Donald J. Trump para salvar minha própria pele, e eu recusei”.
Sua lealdade foi recompensada.
*Com reportagem de Gerardo Lissardy