Lei Magnitsky: como o governo Lula avalia sanção dos EUA contra Moraes
Crédito, Rosinei Coutinho/STF
Essa interpretação foi repassada por dois interlocutores do presidente Lula com o qual a BBC News Brasil conversou em caráter reservado.
Segundo eles, o governo trabalha, neste momento, em uma resposta por meio de nota sobre as sanções impostas a Moraes. Um desses interlocutores classificou a sanção contra Moraes como “uma violência inaceitável”.
O tom do documento, de acordo com as fontes, será “duro” e deverá focar na defesa da soberania do país, um dos argumentos mais utilizados pelo governo Lula desde que Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e de que o governo americano anunciou a revogação dos vistos de Moraes e outros integrantes do STF.
Nesta quarta-feira, os Estados Unidos anunciaram novas sanções contra Moraes com base na Lei Global Magnitsky, específica para punir estrangeiros que o governo norte-americano considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
A decisão foi publicada no site do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros.
Esta foi a primeira vez que uma autoridade brasileira foi submetida a tal punição.
De acordo com uma nota divulgada do Departamento do Tesouro americano, Moraes estaria perseguindo políticos de oposição, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“De Moraes tem como alvo políticos da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro; jornalistas; jornais; plataformas de mídia social dos EUA; e outras empresas americanas e internacionais. Jornalistas e cidadãos americanos não foram poupados do alcance extraterritorial de Moraes. De Moraes impôs prisão preventiva e emitiu uma série de mandados de prisão preventiva contra jornalistas e usuários de mídia social, alguns dos quais estão baseados nos Estados Unidos.”
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, disse esperar que a sanção a Moraes funcione como um alerta.
“Que este seja um aviso para aqueles que atropelam os direitos fundamentais de seus compatriotas — as togas judiciais não podem protegê-los”.
Um dos interlocutores ouvidos pela BBC News Brasil descartou a possibilidade de o Brasil recorrer a fóruns regionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) ou a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) para se manifestar contra as sanções impostas a Moraes.
Segundo ele, tanto na OEA quanto na Celac, haveria países como a Argentina, fortemente alinhados aos Estados Unidos, que bloqueariam uma ação do Brasil solicitando uma condenação da ação americana contra Moraes.
Uma das fontes ouvidas pela BBC News Brasil também falou que não há previsão de que Lula e Trump conversem por telefone no momento.
Segundo ele, não haveria garantias de que o presidente brasileiro não fosse alvo de algum tipo de desrespeito como ocorreu, na interpretação dele, com outros chefes de Estado a exemplo dos presidentes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa.
De acordo com uma das fontes ouvidas, a nova sanção contra Moraes reforça o entendimento dentro do governo de que o objetivo do governo americano ao mirar o Brasil não é econômico, mas político.
Ainda de acordo com ele, a interpretação é de que Trump estaria interessado em prejudicar o projeto de reeleição do presidente Lula ao pressionar o Brasil a reabilitar Jair Bolsonaro para as eleições de 2026.
Para isso, ele estaria pressionando o Brasil tanto do ponto de vista político, por meio de sanções a Moraes, quanto do ponto de vista econômico, com as tarifas de 50%.
Atualmente, Bolsonaro está inelegível por ter sido condenado duas vezes em casos que tramitaram no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além disso, ele é réu no caso que apura a suposta trama que teria tentado um golpe de Estado após Bolsonaro perder as eleições de 2022. Ele, no entanto, nega seu envolvimento no caso.
Em sua carta anunciando as tarifas, Trump vinculou a medida ao julgamento pelo qual Bolsonaro passa no STF. Ele classificou o processo como uma “caça às bruxas”.
O que é a Lei Global Magnitsky
A utilização da Lei Global Magnitsky contra Alexandre de Moraes era um dos principais objetivos do deputado federal licenciado, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), desde que ele se mudou para os Estados Unidos, em fevereiro deste ano.
Em uma postagem no X (antigo Twitter), o parlamentar comemorou a sanção e classificou o momento como “histórico”.
“Pela primeira vez, o arquiteto da censura, da repressão política e da perseguição judicial no Brasil está enfrentando consequências reais, juntando-se ao infame grupo de abusadores de direitos humanos ao redor do mundo, como o ditador Nicolás Maduro”, disse Eduardo.
A Lei Global Magnitsky foi aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012 para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia do governo de Moscou.
Inicialmente, ela foi voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, permitindo a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.
Desde então, a lei passou a ter aplicação global.
Em 2017, pela primeira vez a lei foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano.
Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato administrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.
Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.
Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.
A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.