Gaza: qual o peso do reconhecimento do Estado palestino pela França?
Crédito, Reuters
A França reconhecerá oficialmente o Estado palestino em setembro, anunciou o presidente Emmanuel Macron na quinta-feira (24/7).
Autoridades palestinas saudaram a decisão da França, mas o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirma que ela “recompensa o terror”, e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, considera a medida “imprudente”.
Macron afirma que ele e outros líderes mundiais têm a obrigação de mostrar que a paz é possível e que a “prioridade urgente hoje” é acabar com a guerra e levar alívio à população de Gaza.
Mas, também na quinta-feira, negociadores israelenses e americanos decidiram abandonar as negociações de cessar-fogo em Gaza, no Catar, com Washington acusando o Hamas de não “agir de boa-fé”. O Hamas afirmou ter ficado surpreso com a afirmação.
Israel e o Hamas culpam um ao outro pela situação, enquanto agências humanitárias pedem que Israel permita que mais ajuda chegue à população do território, alertando sobre a possibilidade de fome em massa.
Com o anúncio desta quinta-feira, a França se torna a primeira nação do G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo) a reconhecer a Palestina como um Estado, o que deve ser oficializado quando Macron fizer uma declaração perante a ONU em setembro.
Numa publicação nas redes sociais, Macron disse que a decisão é “consistente” com o “compromisso histórico” da França com uma paz justa e duradoura no Oriente Médio.
Após pedir um cessar-fogo e a “libertação de todos os reféns”, Macron afirmou: “Devemos construir o Estado da Palestina, garantir sua viabilidade e garantir que, ao aceitar sua desmilitarização e reconhecer plenamente Israel, ele contribua para a segurança de todos na região.”
Atualmente, o Estado da Palestina é reconhecido por mais de 140 dos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) — incluindo o Brasil, desde 2010.
O governo brasileiro saudou Macron pelo anúncio e afirmou, em nota publicada pelo Ministério das Relações Exteriores, que o reconhecimento do Estado da Palestina por um crescente número de países “contribui para responder aos anseios de paz na região”.
“Ao reiterar sua firme convicção de que se trata da melhor forma de se chegar a uma paz sustentável na região, o Brasil reafirma a defesa da solução de dois Estados, com um Estado da Palestina independente e viável, convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro das fronteiras de 1967, o que inclui a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital”, escreveu o Itamaraty.
Reino Unido e Alemanha sob pressão
Com o anúncio de Macron, os premiês do Reino Unido e Alemanha enfrentam crescente pressão dentro de seus países para também reconhecerem o Estado da Palestina.
Mas Keir Starmer e Friedrich Merz descartaram essa opção por ora.
Ao recusar seguir os passos da França, Starmer afirmou que o reconhecimento de um Estado palestino deve fazer parte de um plano mais amplo que resulte em uma solução de dois Estados.
Crédito, Reuters
A posição do Reino Unido há muito tempo é de que um Estado palestino deve coexistir com Israel, mas sucessivos governos não chegaram a um reconhecimento formal.
Uma carta conjunta solicitando ao governo do Reino Unido que reconheça formalmente um Estado Palestino foi assinada por 221 parlamentares de todo o espectro político britânico.
“Embora reconheçamos que o Reino Unido não tem o poder de construir uma Palestina livre e independente, o reconhecimento britânico teria um impacto significativo… por isso, instamos vocês a tomarem essa medida”, escrevem os signatários do documento.
Nesta sexta-feira (25/7), um porta-voz do governo alemão também descartou o reconhecimento do Estado palestino pelo país.
Mas os apelos para que Berlim mude de rumo estão aumentando dentro do próprio governo de Merz, e até mesmo dentro do serviço diplomático.
Após os ataques do Hamas em 7 de outubro, cerca de 50% dos alemães acreditavam que as ações de Israel em Gaza eram justificadas. Hoje, apenas 12% acreditam nisso.
Alemanha, França e Reino Unido emitiram nesta sexta-feira um comunicado conjunto pedindo a Israel que “suspenda imediatamente as restrições ao fluxo de ajuda” e afirmando que “é chegada a hora de pôr fim à guerra em Gaza”.
Análise: Uma aposta arriscada
Os franceses estavam ansiosos para dar o passo anunciado nesta quinta-feira há algum tempo.
Eles planejavam fazer um anúncio há algumas semanas, mas foram forçados a adiar depois que Israel e os EUA atacaram as instalações nucleares do Irã.
O que os franceses esperam é que seu anúncio gere impulso diplomático e incentive outras nações a se juntarem a eles, avalia James Landale, repórter especializado em diplomacia da BBC News.
“O presidente francês gosta de fazer jogadas ousadas e dramáticas no cenário internacional. Mas [o reconhecimento do Estado palestino] é uma aposta”, afirma Landale.
A decisão francesa sugere que a diplomacia do país agora acredita que o reconhecimento não deve ser uma etapa em uma sequência diplomática, mas um gatilho para dar início a tudo, um choque para o status quo, necessário pela contínua intransigência israelense e pela escala da crise humanitária em Gaza.
“A decisão de Macron reflete o crescente horror global com a fome e o assassinato de civis em Gaza”, avalia Roger Cohen, correspondente do jornal The New York Times em Paris.
Para Cohen, Macron claramente sentiu que precisava agir e parece acreditar que não há outra maneira de interromper a matança e enfrentar a intensificação da tentativa israelense de expulsar palestinos desesperados dos escombros de Gaza.
“Ao reconhecer o Estado palestino, ele [Macron] registrou seu protesto e espera criar um impulso diplomático em prol de um resultado de dois Estados, mas também se expôs a acusações de ter recompensado o devastador ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, menos de dois anos após sua ocorrência.”