Ucrânia: como ‘guerra de drones’ da Rússia se intensifica e corrói moral dos ucranianos
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- Author, Paul Adams
- Role, Correspondente diplomático da BBC em Kiev
Os moradores de Kiev, assim como os de tantas outras cidades ucranianas, passaram por muitas dificuldades. Após três anos e meio de altos e baixos, pode-se dizer que eles são fortes e extremamente resilientes.
Nos últimos meses, contudo, têm vivenciado algo novo: enormes ondas coordenadas de ataques aéreos com centenas de drones e mísseis, muitas vezes concentrados em uma única cidade.
Eu me lembro quando ouvi seu zumbido pela primeira vez, enquanto ele descrevia um arco lento no céu noturno sobre a cidade de Zaporizhzhia, no sul, em outubro de 2022.
Hoje em dia, o som já é familiar à maioria dos ucranianos, assim como sua versão mais recente e aterrorizante: o uivo de um bombardeiro de mergulho que alguns comparam ao dos aviões Stuka alemães da Segunda Guerra Mundial.
O som de enxames de drones se aproximando levou civis já calejados pela guerra de volta aos abrigos antiaéreos, ao metrô e aos estacionamentos subterrâneos pela primeira vez desde os primeiros dias do conflito.
“A casa tremeu como se fosse feita de papel”, me contou Katya, moradora de Kiev, após o pesado bombardeio da última semana.
“Passamos a noite inteira sentados no vaso sanitário.”
“Fui ao estacionamento pela primeira vez”, relatou outra moradora, Svitlana. “O prédio tremeu, e eu pude ver incêndios do outro lado do rio.”
Ataques nem sempre ceifam vidas, mas semeiam medo e corroem o moral.
Após um ataque a um prédio de apartamentos em Kiev na semana passada, Mariia, abalada, me contou que seu neto de 11 anos a procurou no abrigo e lhe disse que havia pela primeira vez entendido o significado da morte.
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Vítimas civis
Há muitas razões para temer. A Missão de Monitoramento dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia (HRMMU, na sigla em inglês) apontou que junho registrou o maior número de vítimas civis na Ucrânia em um único mês em três anos, com 232 mortos e mais de 1.300 feridos.
Muitos foram atingidos em comunidades próximas às linhas de frente, mas outros morreram em cidades distantes dos combates.
“O aumento dos ataques com mísseis de longo alcance e drones em todo o país causou ainda mais mortes e destruição entre civis distantes das linhas de frente”, afirma Danielle Bell, diretora da HRMMU.
Mudanças no design do drone Shahed permitem que ele voe muito mais alto do que antes e desça sobre seu alvo a partir de uma altitude maior.
Seu alcance também aumentou, para cerca de 2.500 quilômetros, e ele é agora capaz de transportar uma carga útil mais letal, de 90 kg de explosivos, ante cerca de 50 kg anteriormente.
Mapas de rastreamento compilados por especialistas locais mostram massas de drones Shahed em redemoinho, às vezes percorrendo rotas sinuosas pelo território ucraniano antes de atingir seus alvos.
Muitos — às vezes até metade — são iscas, projetadas para confundir e sobrecarregar as defesas aéreas ucranianas.
Já as linhas retas nos mapas de rastreamento representam as trajetórias de mísseis balísticos ou de cruzeiro: em número bem menor, mas são as armas que a Rússia usa para causar os maiores danos.
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Mais ataques desde a chegada de Trump
Uma análise do Instituto para o Estudo da Guerra, com sede em Washington, mostra um aumento nos ataques de drones e mísseis russos nos dois meses seguintes à posse de Donald Trump em janeiro.
Março registrou um ligeiro declínio, com picos ocasionais até maio, quando os números aumentaram drasticamente.
Novos recordes foram estabelecidos com uma regularidade alarmante.
Junho registrou um novo recorde mensal de 5.429 drones, enquanto julho registrou mais de dois mil drones disparados em apenas nove dias.
Com o aumento da produção da indústria bélica russa, alguns relatórios sugerem que Moscou poderá em breve disparar mais de mil mísseis e drones em uma única noite.
Especialistas em Kiev alertam que o cenário pode ter consequências devastadoras para a Ucrânia.
“Se a Ucrânia não encontrar uma solução para lidar com esses drones, enfrentaremos sérios problemas em 2025”, diz o ex-oficial de inteligência Ivan Stupak.
“Alguns desses drones estão tentando atingir alvos militares — precisamos entender isso —, mas o restante destrói apartamentos, colide com prédios comerciais e causa sérios danos aos cidadãos.”
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Disparidade de recursos
Apesar da capacidade destrutiva cada vez maior, os drones não são uma arma particularmente sofisticada — mas são um símbolo da enorme disparidade de recursos disponíveis na Rússia e na Ucrânia.
Eles também ilustram a máxima atribuída a Joseph Stalin, líder da União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial, de que “quantidade tem uma qualidade própria”.
“Esta é uma guerra de recursos”, diz Serhii Kuzan, do Centro Ucraniano para Segurança e Cooperação, com sede em Kiev.
“Quando a produção de certos mísseis se tornou muito complexa — muito cara, com muitos componentes e rotas de suprimento muito complexas — eles se concentraram nesse tipo de drone e desenvolveram diferentes modificações e melhorias.”
Quanto mais drones são usados em um único ataque, diz Kuzan, mais difícil é para as unidades de defesa aérea ucranianas, sob pressão, abatê-los. Isso força Kiev a depender de seu precioso suprimento de aeronaves e mísseis ar-ar para tentar derrubá-los.
“Quando os drones são lançados em enxames, eles destroem todos os mísseis de defesa aérea”, pontua ele.
Daí os constantes apelos do presidente Volodymyr Zelensky para que os aliados da Ucrânia ajudem a intensificar a proteção dos céus do país. Não apenas com mísseis Patriot, vitais para combater a mais perigosa ameaça de mísseis balísticos russos, mas também com uma ampla gama de outros sistemas.
Na quinta-feira (10/7), o governo britânico anunciou a assinatura de um acordo de defesa com a Ucrânia para o fornecimento de mais de cinco mil mísseis de defesa aérea.
Kiev buscará muitos outros acordos semelhantes nos próximos meses.