Argentina: como foi maior derrota de Milei no Congresso desde que virou presidente
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- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
Na quinta-feira (10/7), o presidente da Argentina, Javier Milei, sofreu sua maior derrota parlamentar desde o início do seu mandato, dois anos atrás.
Em um dia conturbado, o Senado argentino aprovou quatro projetos de lei que, segundo a presidência, colocariam em perigo o equilíbrio fiscal do país, uma das prioridades de Milei desde que tomou posse, em dezembro de 2023.
O presidente libertário já anunciou que irá vetar as quatro leis aprovadas.
Elas incluem um aumento de 7% das aposentadorias, a expansão dos benefícios para pessoas com deficiência, o desbloqueio de fundos nacionais para uso nas províncias e uma série de mudanças na distribuição dos impostos cobrados sobre a comercialização de combustíveis.
A reação de Milei foi imediata e contundente. Durante um evento na Bolsa de Valores da capital argentina, Buenos Aires, o presidente deixou claro seu posicionamento.
“Vamos vetar”, declarou ele. “E se, por acaso, o veto for derrubado, o que não acredito, iremos à Justiça.”
“Ainda assim, se, por acaso, a Justiça tivesse um ato de celeridade sobre esses assuntos que ela leva anos para tratar e discutisse a questão em pouco tempo, o dano que eles poderiam causar seria mínimo — apenas uma mancha em dois meses, que iremos reverter no dia 11 de dezembro [quando toma posse o novo Congresso], pois a política do superávit fiscal é permanente.”
Segundo o próprio Milei, se estas leis entrarem em vigor, haverá um aumento de 2,5% dos gastos públicos, o que vai contra suas políticas de austeridade e superávit financeiro.
Mas outros funcionários do seu círculo foram mais além. Eles qualificaram a decisão do Senado de “golpe institucional”.
Este revés político ocorre exatamente em um ano eleitoral. No próximo mês de outubro, ocorrem as eleições legislativas de metade do mandato na Argentina. Elas irão determinar a sorte da segunda parte do mandato de Milei, que vai até 2027.
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Todos dentro do espectro político conhecem esta situação — tanto os mais próximos do partido de Milei, A Liberdade Avança, quanto a oposição, próxima do peronismo histórico (incluindo os kirchneristas) e que promoveu as quatro iniciativas.
O partido do governo tem minoria no Congresso e depende de alianças com outras forças políticas para levar adiante suas iniciativas, como o PRO, liderado pelo ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).
Por isso, é fundamental para o governo ter bons resultados nas eleições de meio de mandato, em outubro.
Derrota histórica
Além dos quatro projetos aprovados pelo Senado na quinta-feira (10/7), a Câmara dos Deputados também rejeitou o veto imposto pelo presidente a uma série de auxílios financeiros para os afetados pelas inundações na cidade de Bahía Blanca, no sul da província de Buenos Aires.
Em março passado, morreram ali pelo menos 18 pessoas e mais de 1,4 mil foram afetadas pelas chuvas torrenciais. Mas o governo central bloqueou um pacote de ajuda financeira para reduzir a crise na cidade.
Somam-se a este fato outras medidas do governo Milei que causaram atrito com os governadores das províncias, especialmente o bloqueio dos pagamentos do Tesouro Nacional aos quais os governadores têm direito.
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O distanciamento entre o presidente e os governadores ficou evidente no último dia 9 de julho, data da independência da Argentina. Um evento na cidade de San Miguel de Tucumán, no noroeste do país, foi programado para marcar as comemorações.
O presidente era esperado para a cerimônia, como é habitual, acompanhado dos mandatários locais. Mas Milei cancelou sua presença poucas horas antes do evento.
O governo informou que o presidente não viajaria devido às condições climáticas adversas. Mas analistas políticos e jornalistas locais atribuíram sua ausência ao fato de que apenas três dos 23 governadores haviam confirmado presença.
“Querem destruir o governo nacional”, acusou Milei sobre os governadores, em entrevista à Rádio El Observador, de Buenos Aires.
Tanques e aviões
Funcionários do governo, como o chefe de gabinete Guillermo Francos, consideram que a oposição realizou um “golpe institucional” no Senado e que aquela sessão não era válida, já que não havia sido convocada pela presidente do Senado, a vice-presidente da Argentina, Victoria Villarruel.
Mas alguns produtores de conteúdo muito próximos do presidente, como Daniel Parisini (conhecido como “o gordo Dan”) e Franco Antunes, ou Fran Fijap, foram mais além.
Parisini publicou na sua conta no X, antigo Twitter: “Tanques na rua, já. Strikers [tipo de tanque] pela Avenida 9 de Julho agora, Javeto. Chegou a hora.”
E acrescentou: “Javo, coloque um F16 para sobrevoar o Congresso.” Em espanhol, “Javo” e “Javeto” são diminutivos de “Javier”, o primeiro nome do presidente argentino.
Antunes declarou que “é preciso dinamitar todo o Congresso, com os deputados e senadores dentro”.
Estes comentários foram rejeitados por diversos políticos, como a senadora oposicionista Juliana Di Tullio.
“Não estou só fazendo uma denúncia pública destas ameaças, vou fazer uma denúncia penal”, declarou ela, durante uma reunião plenária do Congresso. “Isso é inaceitável.”
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Especialistas como o jornalista Ignacio Fidanza, do portal La Política, destacam que esta derrota legislativa tem relação com o desgaste das políticas de austeridade, que começaram a afetar diversos setores do país.
“Os sucessos macroeconômicos estão em discussão”, escreveu ele. “A economia real está detonada, com falências de empresas agropecuárias, industriais e comerciais.”
Mas este não é o único fator que influenciou o processo. Some-se a isso a influência exercida por diversos governadores provinciais, que representam diferentes partidos políticos, para concretizar a aprovação das medidas.
Suas ações colocam em evidência o distanciamento entre a presidência e os poderes regionais.
Mas o dado que preocupa o governo, segundo o colunista Claudio Jacquelin, do jornal argentino La Nación, é que as leis foram aprovadas por dois terços dos senadores.
“O processo eleitoral em andamento também tem influência e mostra sinais de um reordenamento que não é o que imaginava o governo até muito pouco tempo atrás”, destaca o jornalista.