A dura carta de Trump a Lula: ‘Julgamento de Bolsonaro não deveria estar acontecendo. Parem imediatamente’
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Além de anunciar tarifas adicionais de 50% sobre qualquer produto brasileiro enviado aos Estados Unidos, Trump utilizou motivos políticos para justificar a imposição das tarifas, entre eles o tratamento dado pelo Judiciário do Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a empresas de tecnologia americanas, o que não aconteceu nas cartas divulgadas nos últimos dias para outros países.
O julgamento está chegando à sua fase final, e a expectativa é de que o ex-presidente e outros integrantes do chamado “núcleo crucial” que teria organizado a suposta tentativa de golpe sejam julgados entre o final de agosto e início de setembro.
A mensagem de Trump enviada aos mandatários de outros países têm entre si uma redação exatamente igual — e um tom bem mais amigável.
“É uma grande honra para mim enviar-lhe esta carta, pois ela demonstra a força e o comprometimento de nossa relação comercial, e o fato de que os Estados Unidos da América concordaram em continuar trabalhando com [nome do país], apesar de ter um déficit comercial significativo com seu grande país. Ainda assim, decidimos seguir adiante com vocês, mas apenas com um COMÉRCIO mais equilibrado e justo”, diz o início dos comunicados.
A carta para Lula, no entanto, teve um tom e conteúdo distintos.
“Conheci e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeito grandemente, assim como a maioria dos líderes de outros países. A forma que o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado ao redor do mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional”, começa a carta (leia o texto na íntegra abaixo).
Em outro trecho, Trump chega a usar letras maiúsculas para se referir ao processo de Bolsonaro e demanda o fim do caso.
“Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deveria acabar IMEDIATAMENTE”.
O texto enviado a Lula também reproduz trechos utilizados em outras cartas enviadas a diferentes países e, ao fazê-lo, repete uma informação contraditória.
A carta cita um suposto déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil para, também, justificar a imposição de tarifas contra o Brasil.
Entretanto, os dados oficiais do governo brasileiro apontam que, entre 2014 e 2024, o saldo do comércio entre os dois países foi positivo para os Estados Unidos em US$ 51 bilhões.
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Na carta, Trump acusou o Brasil de realizar supostos ataques contras as eleições livres e citou a existência de supostas decisões secretas do Supremo Tribunal Federal (STF) que teriam violado o direito à livre expressão de cidadãos americanos.
“Em parte pelos ataques insidiosos às eleições livres e ao fundamental direito à liberdade de expressão de norte-americanos (como ultimamente ilustrada pelo STF, que tem emitido centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS contra plataformas de redes sociais norte-americanas, ameaçando-as com multas de milhões de dólares) […] nós vamos cobrar do Brasil tarifas de 50% sobre qualquer e todo produto brasileiro enviado aos Estados Unidos”, diz um trecho da carta em que Trump volta a utilizar letras maiúsculas.
A carta não cita diretamente, mas a menção a supostas decisões “secretas e ilegais” do STF podem ser interpretadas como uma menção às medidas adotadas contra redes sociais americanas nos últimos anos durante a condução de casos envolvendo o combate a ataques a instituições.
Moraes também determinou o bloqueio de diversos perfis de pessoas investigadas por atos supostamente antidemocráticos, o que levou a militantes de direita e o próprio Musk a acusarem Moraes de agirem fora da lei.
Em outro trecho da carta específico para o Brasil, o presidente americano anuncia que determinou que o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer inicie, imediatamente, uma investigação contra supostos “ataques” do governo brasileiro às atividades de comércio digital de empresas americanas “assim como outras práticas comerciais injustas”.
Os parágrafos do texto enviado a Lula após a menção a Bolsonaro são praticamente iguais aos das demais cartas, com algumas pequenas diferenças.
O trecho que fala que a tarifa de 50% é necessária “para corrigir as graves injustiças do regime atual”, por exemplo, foi adicionado, enquanto a frase “estamos ansiosos para trabalhar com você como seu parceiro comercial por muitos anos”, presente nos demais textos, foi retirada do final.
À noite, o presidente Lula respondeu à carta enviada por Trump com uma postagem em suas redes sociais. No texto, Lula lembrou que a balança comercial entre Brasil e Estados Unidos é favorável aos norte-americanos e indicou que o governo poderá responder às tarifas.
“Neste sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”, afirmou o presidente, mencionando uma lei aprovada pelo Congresso Nacional neste ano que cria mecanismos de resposta à imposição de tarifas unilaterais contra o Brasil.
Lula também voltou a dizer que os casos envolvendo pessoas suspeitas de participarem da tentativa de golpe de Estado não devem ser alvo de interferência externa.
“O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”, disse um trecho da postagem.
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Escalada retórica
O tom da carta de Trump ao presidente Lula acompanhou a linha das suas últimas manifestações em redes sociais sobre Bolsonaro.
“O Brasil está fazendo uma coisa terrível no tratamento ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Eu tenho assistido, assim como o mundo, como eles não fazem outra coisa senão irem atrás dele, dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano! Ele não é culpado de nada a não ser por ter lutado pelo povo”, disse Trump em seu perfil na rede social Truth Social.
Em outro trecho da publicação, o presidente norte-americano classificou a situação de Bolsonaro como uma “caça às bruxas”.
“O grande povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Estarei assistindo à caça às bruxas de Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores muito de perto. O único julgamento que deveria estar acontecendo é um julgamento pelos eleitores do Brasil — chama-se eleição”, continuou.
No mesmo dia, pouco depois de finalizar a Cúpula dos Brics, no Rio de Janeiro, Lula rebateu as declarações de Trump em duas oportunidades. Na primeira, por meio das redes sociais, ele disse que o Brasil não aceitaria interferências.
“A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”.
Em outro momento, durante uma entrevista coletiva, Lula disse que Trump não deveria dar “palpite” sobre o Brasil.
“Eu não vou comentar essa coisa do Trump e do Bolsonaro. Tenho coisa mais importante para comentar do que isso. Este país tem lei. Este país tem regras e este país tem um dono chamado povo brasileiro. Portanto, dê palpite na sua vida e não na nossa”, disse o presidente.
A escalada retórica e a decisão dos Estados Unidos em anunciar novas tarifas ao Brasil foi na contramão do que diziam acreditar parte dos diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil nas últimas semanas.
Um deles, em caráter reservado, afirmou que não haveria motivos para que o Brasil se antecipasse em relação às manifestações de Trump ou mesmo que fizesse novos movimentos para tentar distensionar as relações entre Lula e Trump.
O entendimento é que, apesar da distância política entre os dois, o Brasil havia ficado em uma situação relativamente confortável após o anúncio do “tarifaço” de Trump, em abril deste ano, com uma tarifa linear de 10%. Países de líderes alinhados com Trump, como a Argentina de Javier Milei, também haviam sido tarifados em 10%.
Um sinal de alerta foi acionado na diplomacia brasileira, no entanto, depois que o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, disse que o governo americano estudava a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes, por sua atuação em julgamentos envolvendo plataformas de redes sociais como o X, do bilionário Elon Musk, que apoiou e foi integrante do novo governo Trump.
Ainda assim, um diplomata ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmou que, se isso acontecesse, o Brasil não retaliaria os Estados Unidos, entretanto, alguma resposta política deveria ser dada.
Após a divulgação das novas tarifas e da carta ao presidente Lula, o governo realizou uma reunião de emergência no Palácio do Planalto com integrantes de diferentes ministérios, entre eles os das Relações Exteriores e o do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Confira a íntegra da carta de Trump a Lula abaixo:
Luiz Inácio Lula da Silva,
Presidente da República Federativa do Brasil
Prezado Senhor Presidente:
Conheci e lidei com o ex-presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros Líderes de Países. A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Devido em parte aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e aos direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos (conforme recentemente ilustrado pela Suprema Corte brasileira, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos Estados Unidos, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e suspensão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todo e qualquer Produtos brasileiros enviados para os Estados Unidos, desvinculados de todas as Tarifas Setoriais. As mercadorias transbordadas para fugir desta tarifa de 50% estarão sujeitas a essa Tarifa mais elevada.
Além disso, tivemos anos para discutir nossa relação comercial com o Brasil e concluímos que devemos nos afastar da relação comercial de longa data e muito injusta gerada pelas políticas tarifárias e não-tarifárias e pelas barreiras comerciais do Brasil. Nosso relacionamento tem estado, infelizmente, longe de ser recíproco.
Por favor, entenda que o número de 50% é muito menor do que o necessário para termos condições de concorrência equitativas que devemos ter com o seu país. E isso é necessário para retificar as graves injustiças do atual regime. Como você sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas de seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos todo o possível para obter aprovações de forma rápida, profissional e rotineira – em outras palavras, em questão de semanas.
Se por algum motivo você decidir aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número que você escolher para aumentá-las, será adicionado aos 50% que cobramos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não-tarifárias e barreiras comerciais do Brasil, causando esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Este déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional! Além disso, devido aos contínuos ataques do Brasil às atividades de comércio digital de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais injustas, estou instruindo o representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 do Brasil.
Se você deseja abrir seus mercados comerciais até então fechados para os Estados Unidos e eliminar suas políticas e barreiras comerciais tarifárias e não-tarifárias, talvez consideraremos um ajuste nesta carta.
Estas Tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo da nossa relação com o seu País. Você nunca ficará desapontado com os Estados Unidos da América.
Obrigado por sua atenção a este assunto!
Presidente dos Estados Unidos da América
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