Sean ‘Diddy’ Combs: o mundo secreto revelado por seus empregados
Importante: esta reportagem inclui conteúdo sexual explícito que pode ser perturbador para alguns leitores.
“Você pode vir e arrumar tudo por aqui? A aparência não é de luxo”, diz Sean “Diddy” Combs em uma mensagem de voz para seus assistentes pessoais com música R&B ao fundo.
Horas antes, estava a todo vapor no local uma das chamadas freak-offs – festas privadas com sexo e uso de drogas. Os funcionários estavam sendo chamados para fazer a faxina depois que os convidados tinham ido embora.
“PD disse que vai precisar de uma limpeza de emergência no hotel”, comunica sua chefe de pessoal por mensagem de texto, após outro desses eventos.
“Traga para ele removedor de tinta (para uma cadeira e um sofá) e sacos de lixo pretos. E também bicarbonato de sódio, ele disse.”
A BBC teve acesso a mensagens e gravações da antiga chefe de pessoal da residência do rapper americano.
Os funcionários também forneceram relatos detalhados de como era trabalhar nos glamourosos iates de aluguel do multimilionário magnata da música e nas suas propriedades espalhadas pelos Estados Unidos – nos Hamptons, em Nova York; em Beverly Hills, na Califórnia; e em Star Island, em Miami.
Suas experiências cobrem os últimos 5 a 10 anos, que foi o período analisado durante o julgamento de Diddy em Nova York, que terminou na quarta-feira (2/7).
O músico de 55 anos foi inocentado das acusações mais graves – conspiração para extorsão e duas acusações de tráfico sexual relativas à sua ex-parceira Casandra Ventura e outra mulher identificada como “Jane”.
Mas o júri o considerou culpado de duas outras acusações relativas ao transporte das duas mulheres para fins de prostituição. Sua sentença será divulgada posteriormente.
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O material observado pela BBC mostra um patrão “assustador” e imprevisível, que submetia sua equipe a “testes de lealdade” perturbadores e apresentava exigências cada vez mais radicais.
O rapper esperava que os funcionários preparassem uma bolsa contendo “óleo para bebê, lubrificante e luzes vermelhas” (para criar o ambiente preferido do músico, com tons de vermelho) ao lado de drogas pesadas para todas as suas viagens.
As freak-offs, conforme relataram os empregados, aconteciam em diversos locais pelo mundo e chegavam a durar dias.
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As ‘Noites do Rei Selvagem’
Na sua mansão à beira-mar em Miami – uma propriedade de US$ 48 milhões (cerca de R$ 260 milhões) em uma ilha artificial exclusiva – Diddy mantinha controle rigoroso de seu círculo interno.
“Não vou ser transparente com vocês”, alertou certo dia aos funcionários em uma mensagem de voz desconexa, em que parecia atordoado, enviada para um grupo de WhatsApp com sua equipe em 2020.
“Existem lugares sombrios para onde vocês [palavrão] não querem ir. Fiquem onde estão.”
Seus funcionários afirmam que ele era intenso, exigente e instável. Alguns atribuem sua imprevisibilidade ao seu estilo de vida, com festas frequentes e uso de drogas.
A rotatividade dos empregados era alta. Pelas diferentes propriedades do rapper passaram mais de 20 gerentes em apenas dois anos, segundo contou um desses ex-funcionários à BBC.
Phil Pines tem 40 anos de idade e trabalhou para Diddy como assistente executivo sênior entre 2019 e 2021.
Ele afirmou à BBC que o magnata não disse uma palavra a ele no início do seu trabalho.
“Era como uma iniciação”, explica Pines. “Nós não nos falamos por 30 dias.”
Outro assistente que prestou serviço para o músico recente, Ethan (nome fictício), relembra que “ele era um homem muito doente com comportamentos variáveis, às vezes muito agressivo, às vezes muito doce”.
O nome verdadeiro de Ethan foi substituído porque, como muitos dos que fizeram parte da equipe, ele ainda trabalha no setor de hospitalidade. Ethan receia que falar sobre Diddy possa prejudicar sua carreira.
Ele nos mostra uma pequena cicatriz na testa e diz que ela foi resultado de um momento de fúria do rapper, em que ele atirou um copo contra a parede e os estilhaços acabaram cortando seu rosto.
Parte do pequeno grupo de assistentes de confiança de Diddy, Phil Pines e Ethan afirmam que o patrão costumava praticar jogos mentais com os funcionários.
Ethan relembra um dos testes de lealdade propostos pelo então chefe.
O astro tirou um dos seus anéis e o atirou no Oceano Atlântico. Ele, então, se voltou para Ethan e disse para ele entrar na água e ir buscá-lo.
Eles estavam em um evento formal e Ethan, como seu patrão, vestia um terno elegante. Ele afirma que isso não o impediu de pular na água para resgatar o anel.
Em outro incidente, Pines conta que o músico ligou para sua casa depois da meia-noite, apenas para que ele pudesse pegar o controle remoto da TV embaixo da cama, onde ele estava com uma mulher.
“Você vê? Ele é leal e, agora, pode voltar para casa”, teria dito para ela. Pines conta que se sentiu “um animal”.
Mas as “Noites do Rei Selvagem” (“Wild King Nights“) – como eram chamadas pela chefe de pessoal do rapper, Kristina Khorram – revelavam um lado ainda mais sombrio de trabalhar para Diddy.
“Ele me pediu que organizasse uma lista para ele”, conta Pines, “e pensei comigo mesmo: ‘por que ninguém me explicou isso antes?'”
Em uma troca de mensagens à qual a BBC teve acesso, Khorram enviou uma mensagem de texto para alertar Pines de que era preciso preparar uma bolsa para uma Noite do Rei Selvagem em duas horas.
Em outra mensagem, ela pediu uma “entrega” de sete frascos de óleo para bebê e sete de lubrificante da marca Astroglide, além de lattes de baunilha gelados.
“Procurar produtos em uma prateleira de óleo de bebê e lubrificante em uma loja é muito, muito humilhante”, ele conta. “Eu sempre fingia que estava no celular.”
No julgamento de Diddy, a acusação apresentou evidências de produtos que, segundo eles, eram comprados para as freak-offs. Uma busca feita pela polícia na mansão do rapper em Los Angeles encontrou drogas e mais de mil garrafas de óleo para bebê.
Depois de três meses na função, Pines começou a se preocupar com a frequência desses pedidos. “Passou a ser diário, às vezes duas vezes por dia, todos os dias, toda semana.”
Ele conta que havia um fluxo constante de mulheres jovens que frequentavam as mansões, aparentemente para fazer sexo. Homens jovens também eram chamados para as festas, segundo Ethan.
Alguns desses jovens aparentemente eram amigos dos filhos do astro, segundo Pines. E algumas das mulheres eram vistas depois “se encontrando” com o rapper.
O ex-funcionário conta que também se preocupava com algumas dessas visitantes, que pareciam “jovens demais” e “impressionáveis” para seu chefe, que tinha então 50 anos de idade. Elas pareciam ter pouco mais de 20 anos.
“Eu via algumas mulheres se sentirem desconfortáveis ou que, pelo menos, pareciam ter tido uma noite alucinante”, segundo ele.
Pines conta que uma mulher costumava visitar o local no dia seguinte às festas. Ela trazia soro intravenoso, para ajudar as visitas a se recuperarem depois das freak-offs, que às vezes duravam 24 horas ininterruptas, sem alimentação.
O funcionário relembra que uma das jovens confessou a ele com dificuldade: “Nunca havia feito nada como isso antes”.
Ele foi instruído a levá-la de carro para casa, da residência do músico em Miami. “Ela estava agitada e tremia, como se estivesse saindo do efeito de drogas.”
‘Estilo de vida de playboy’
O uso de drogas durante esse tipo de noite foi apresentado repetidamente durante o julgamento.
Casandra Ventura, ex-parceira do rapper de mais de uma década, testemunhou ter suportado anos de sexo por coerção com garotos de programa, sob ameaça de agressão e chantagem, para que Diddy filmasse os encontros.
Ela afirmou que esses eventos às vezes duravam dias e exigiam que ela tomasse drogas para permanecer acordada.
Outra mulher, que namorou o músico de forma intermitente entre 2021 e a última prisão do rapper, em setembro do ano passado, forneceu evidências de ter sido pressionada para atender aos seus desejos, em parte, porque ele pagava seu aluguel.
Segundo ela, os encontros a faziam se sentir “enojada” e com dores físicas.
O advogado de Diddy declarou no julgamento que ele admitiu a acusação de violência doméstica, mas defendeu que todos os encontros sexuais eram consensuais. O rapper, segundo ele, tinha o “estilo de vida de um playboy”.
A BBC entende que foi pedido a pelo menos um funcionário que pesquisasse online acompanhantes para participarem das Noites do Rei Selvagem. Capturas de tela com imagens das garotas de programa eram enviadas para Diddy, para sua aprovação.
Pines afirma que não sabe o que acontecia naqueles eventos, mas que era chamado para limpar o que ficasse para trás. Era “simplesmente um desastre completo”, ele conta.
“Óleo por todo o chão. Cigarros de maconha por toda parte… Eu usava luvas, eu usava máscara.”
“Ele [Diddy] se levantava, punha seu agasalho e saía pela porta”, deixando que os funcionários limpassem o quarto, relembra Pines.
Lembranças que permanecem
Houve uma ocasião em que Pines presenciou Diddy empurrar e chutar uma mulher durante uma discussão na sua casa, que continuou no lado de fora.
Segundo ele, o rapper a xingou e disse “me dê meu agasalho”.
“Ela tirou o agasalho e ficou sem blusa, sem sutiã, sem nada, nem camiseta. Eu tirei meu casaco e coloquei em torno dela, para meio que protegê-la.”
A visita saiu de Uber chorando, conforme o relato de Pines. Uma semana depois, contudo, ela estava de volta à casa com o astro.
“Ela voltou pouco depois”, relembra o funcionário. “Jantar, presentes… Ela foi integrada novamente.”
Pines conta que, quando relatou o caso à sua supervisora Khorram, ela sabia exatamente o que dizer.
“Eu meio que relatei a ela o que aconteceu”, conta Pines. “Suas palavras para mim foram: ‘nunca mais fale sobre isso’.”
Kristina Khorram não respondeu ao pedido de comentários encaminhado pela BBC até a publicação desta reportagem. Mas ela negou anteriormente ter cometido qualquer irregularidade.
Em declaração à rede de TV americana CNN no mês de março, Khorram descreveu as acusações contra ela como “falsas”. Elas teriam causado “danos incalculáveis e irreparáveis à minha reputação e ao meu bem-estar emocional e da minha família”.
“Nunca admiti, auxiliei nem incentivei abusos sexuais a ninguém. Também nunca droguei ninguém”, declarou ela.
Os funcionários eram destacados para apagar todas as evidências das freak-offs, removendo manchas corporais dos lençóis, descartando drogas e, segundo Pines, apagando qualquer gravação “comprometedora” dos encontros sexuais que encontrassem nos laptops e celulares pessoais do seu patrão.
Outros funcionários também descrevem que os encontros sexuais do então chefe os deixavam perturbados.
“[Existem] coisas que observei com meus próprios olhos, lembranças que permanecerão para sempre”, relembra Ethan.
Ele afirma que o músico, às vezes, pedia que ele entrasse no quarto e “trouxesse com ele água ou comprimidos para disfunção erétil”, enquanto ocorriam as relações sexuais.
Pines entrou com uma ação civil contra o rapper. A BBC fez contato com os advogados de Diddy sobre as acusações apresentadas por Pines e eles enviaram uma declaração em resposta.
“Não importa quantas ações judiciais forem apresentadas, elas não mudarão o fato de que o sr. Combs nunca abusou sexualmente nem praticou tráfico sexual com ninguém, homem ou mulher, adulto ou menor de idade. Vivemos em um mundo onde qualquer pessoa pode apresentar uma ação judicial por qualquer motivo.”
Pines relembra um incidente particularmente assustador, ocorrido perto de novembro de 2020. Ele conta ter recebido um pedido para ficar até mais tarde no trabalho, organizando um evento após uma festa, na mansão de Miami.
Ele afirma que o patrão e seus convidados haviam ficado “na festa no sol, comendo cogumelos, fumando e bebendo o dia todo – e, por isso, estavam completamente drogados”.
Durante aquela festa, Pines conta que Combs o convidou a tomar uma bebida e depois pediu que ele “provasse sua lealdade”.
Ele entregou a Pines um preservativo e o empurrou em direção a uma mulher deitada em um sofá próximo.
“Naquele momento, eu me perguntei o que estava acontecendo”, conta Pines.
“Eu congelei. Fiquei simplesmente chocado com aquilo. Senti frio… mas também muita pressão.”
Pines afirma que a mulher consentiu e eles fizeram sexo até que Diddy começou a “se afastar, em direção a uma outra parte da suíte”.
“Eu não queria nada daquilo”, relembra ele. “Assim que vi que ele saiu do meu ângulo de visão, que não estava mais ali, puxei minhas calças para cima e simplesmente saí dali rapidinho.”
“Foi uma questão de poder. Eu me senti coagido. Era manipulação.”
A bolsa Gucci
Os funcionários afirmam que, durante suas viagens internacionais, as drogas do rapper viajavam com ele, escondidas em um cofre a bordo do seu jato particular de US$ 60 milhões (cerca de R$ 325 milhões).
“Mesmo para uma viagem de um dia, se ele fosse ficar no iate por quatro horas, levávamos tudo porque ele talvez fosse usar aquilo”, relembra Pines, sobre as instruções.
Ele conta que cogumelos, cetamina e ecstasy eram guardados em uma pequena bolsa Gucci preta, junto com óleo para bebê, lubrificante e luzes vermelhas.
Os advogados do astro reconheceram durante o julgamento que ele havia comprado drogas, mas apenas para uso pessoal.
Em um desgastante incidente ocorrido em Veneza, na Itália, no verão de 2021, Pines relembra que autoridades italianas passaram uma hora interrogando a equipe.
Seu receio era que eles tivessem encontrado as drogas escondidas na bagagem e ele fosse “levar a culpa” no lugar do patrão.
O ex-assistente pessoal de Diddy Brendan Paul foi preso em março de 2024. Ele foi acusado de porte de drogas quando estava com o músico em um aeroporto de Miami no mesmo dia das buscas realizadas pela polícia nas casas do rapper.
As acusações foram retiradas depois que Paul cumpriu pena alternativa antes do julgamento.
Ele tem hoje 26 anos e, durante o julgamento de Combs, testemunhou ter encontrado cocaína depois de “trocar” de quarto com seu patrão e haver esquecido que a droga estava na sua mala, enquanto eles se preparavam para um período de férias nas Bahamas.
Ele declarou à Justiça não ter informado às autoridades que as drogas eram do chefe por “lealdade”.
Em dezembro de 2021, Pines decidiu dar um basta na situação.
“O dinheiro não valia a pena… devido aos incidentes que eu tinha com ele. Eu simplesmente não conseguia suportar.”
Questionado por que os funcionários não haviam falado antes, Pines não hesita em responder: por medo do músico, segundo ele.
“Ele é uma pessoa muito assustadora”, afirma. “Seja você seu funcionário, terceirizado, namorada, convidado, você sabe do que ele é capaz.”
Ethan diz que costumava acreditar que o astro tinha “pessoas dois passos à frente dele” que “pegavam tudo”. Mas, depois da prisão do rapper, mudou de opinião.
Para ele, os funcionários simplesmente não conseguiram impedir o que viria.
“Obviamente, por ser uma celebridade, ele conseguia cortar muitos caminhos”, reflete ele, mas “não conseguiu evitar a lei.”
Pines conta que agentes federais do Departamento de Segurança Doméstica dos Estados Unidos o procuraram no último verão do hemisfério norte, como parte das investigações criminais. E ele foi legalmente intimado a fornecer evidências antes do julgamento de Diddy.
Outros ex-assistentes, que trabalharam para o rapper entre 2014 e 2024, testemunharam durante o julgamento.
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“Preciso tirar o chapéu para Cassie Ventura, pela coragem de enfrentá-lo”, destaca Pines.
Ventura entrou com sua ação civil em novembro de 2023. Ela acusou o astro de mantê-la em um ciclo de violência e abuso sexual.
A ação foi encerrada com um acordo de US$ 20 milhões (cerca de R$ 108 milhões), um dia após sua apresentação.
Mas dezenas de outras ações se seguiram rapidamente. Existem, agora, mais de 60 processos civis contra o músico, que aguardam resolução.
“Ela abriu as portas para que pessoas como eu se abrissem, além de outros que estão passando por situações parecidas e se sentiam silenciados – que se sentiam impotentes contra um gigante”, conclui Pines.