Trump x Musk: briga vai ajudar ou atrapalhar negócios de Elon?
Crédito, Getty Images
- Author, Lily Jamali
- Role, Repórter de tecnologia na América do Norte
Quando Elon Musk anunciou recentemente que estava se afastando da política, investidores acreditaram que isso poderia significar a volta das atenções do bilionário às muitas empresas de tecnologia que administra.
Em vez de Musk se afastar um pouco dos olhos do público e se concentrar em impulsionar os lucros da Tesla e de suas outras empresas, ele agora se vê diante de uma ameaça de boicote por um de seus principais clientes, o governo Trump.
As ações se recuperaram um pouco nessa sexta-feira (06/06), após alguns indícios de que os ânimos estavam esfriando.
Mesmo assim, para os investidores e analistas que, durante meses, deixaram claro que queriam Musk longe do celular e de volta ao trabalho, a situação está longe do ideal.
Tesla: ‘Eles estão muito atrás’
Alguns, porém, argumentam que os problemas com os negócios de Musk são muito mais profundos do que essa disputa com o republicano.
Para a jornalista veterana de tecnologia Kara Swisher, isso é especialmente verdade para a Tesla.
“A Tesla acabou”, resumiu ela à BBC durante o evento San Francisco Media Summit, no início desta semana.
“Era uma ótima montadora. Eles poderiam competir no segmento de robotáxis autônomos, mas estão muito atrás.”
Crédito, Getty Images
A Tesla há muito tenta alcançar a rival Waymo, de propriedade da Alphabet, controladora do Google.
Os robotáxis autônomos Waymo percorrem as ruas de São Francisco, nos EUA, há anos — e agora operam em várias outras cidades.
Este mês, Musk deve supervisionar o lançamento de um lote de robotáxis autônomos da Tesla em Austin, Texas.
Ele publicou no X na semana passada que a fabricante estava testando o Model Y sem motoristas a bordo.
“Acredito que 90% do valor futuro da Tesla será autônomo e robótico”, disse Dan Ives, analista da consultoria Wedbush Securities, à BBC esta semana, acrescentando que o lançamento em Austin seria “um divisor de águas”.
“A primeira tarefa é garantir que o projeto tenha um início fenomenal.”
Mas, com a atenção de Musk dividida, as chances de sucesso do projeto parecem mais remotas.
E há algo mais a ser considerado: a própria motivação de Musk.
Ultimamente, o debate no Vale do Silício foca menos em saber se Musk conseguirá reverter a situação e mais em se ele realmente se importa com isso.
“Ele é uma pessoa realmente poderosa quando está focado em algo”, diz Ross Gerber, presidente e diretor da consultoria Gerber Kawasaki Wealth and Investment Management.
“Antes, tratava-se de provar ao mundo que ele fabricaria veículos elétricos — uma tecnologia que ninguém mais conseguia fazer. Tratava-se de provar que ele podia fabricar foguetes. Ele tinha muito a provar.”
Investidor de longa data da Tesla, Gerber se desanimou e vem reduzindo seus investimentos desde a incursão de Musk na política de direita.
Ele descreveu a quinta-feira como um “dia extremamente doloroso”.
“É a coisa mais idiota que você poderia fazer: pensar que tem mais poder do que o presidente dos Estados Unidos”, disse Gerber, referindo-se às falas de Musk contra Trump nas redes sociais.
A BBC entrou em contato com a X, a Tesla e a SpaceX para obter um posicionamento em nome de Musk, mas não obteve resposta.
Mais obstáculos para a Tesla
Antes do inimigo Donald Trump, Musk já enfrentava outro nas redes sociais e nas ruas: protestos, apelidados de #TeslaTakedown (algo como “Derrubar a Tesla” ou “Queda da Tesla”), que acontecem em todo o país todos os fins de semana desde que Trump assumiu o cargo.
Em abril, a Tesla relatou uma queda de 20% nas vendas de carros nos primeiro trimestre. Os lucros despencaram mais de 70%, e o preço das ações também.
“Ele não deveria estar decidindo o destino da nossa democracia desmantelando nosso governo aos poucos. Não está certo”, disse-me a manifestante Linda Koistinen em um protesto em fevereiro, em frente a uma concessionária Tesla em Berkeley, Califórnia.
Joan Donovan, uma pesquisadora que estuda redes de desinformação, ajudou a organizar a campanha #TeslaTakedown nas redes sociais.
“Em última análise, não se trata da tecnologia ou da corporação Tesla”, aponta Donovan.
“É sobre a forma como as ações da Tesla foram usadas como arma contra as pessoas, colocando Musk em uma posição de poder enorme sem nenhuma transparência.”
Outro aspecto do império de Musk que desperta a ira de seus críticos é o X, a rede social antes conhecida como Twitter.
“Ele comprou o Twitter para ter influência e conseguir, num piscar de olhos, alcançar centenas de milhões de pessoas”, afirma Donovan.
Crédito, Getty Images
Marca pessoal
Há, no entanto, uma outra possibilidade.
Será que o desentendimento de Musk com Trump poderia ajudar a reabilitar o bilionário entre as pessoas que passaram a rejeitá-lo por sua proximidade com o republicano?
Patrick Moorhead, analista-chefe da consultoria Moor Insights & Strategy, acredita que sim.
“Somos um país muito tolerante”, afirma Moorhead.
“Essas coisas levam tempo”, ele reconhece, mas “não é inédito”.
Swisher traz como exemplo o cofundador da Microsoft, Bill Gates.
Há mais de duas décadas, diz a jornalista, Gates era considerado “o Darth Vader [vilão de Guerra nas Estrelas] do Vale do Silício” por causa de sua personalidade “arrogante e rude”.
Hoje, em geral, Gates recuperou fortemente sua imagem.
“Ele aprendeu. Ele cresceu. As pessoas podem mudar”, analisa Swisher, ponderando, porém, que Musk está “claramente perturbado”.
Saída pelo espaço
O problema para Musk é que o futuro dele e de suas empresas não depende apenas do que ele faz, mas também às decisões de Trump.
E embora Trump tenha precisado de Musk no passado, principalmente para financiar sua campanha eleitoral, não está tão claro se ele precisa agora.
Noah Smith, autor do blog Noahpinion Substack, avalia que a incursão altamente lucrativa de Trump em criptomoedas — por mais indecorosa que tenha sido — pode tê-lo libertado da dependência de Musk.
“Meu palpite é que isso foi feito para que ele pudesse se livrar de Elon Musk”, afirma Smith.
No comentário mais ameaçador da quinta-feira, Trump sugeriu cortar os contratos governamentais com empresas de Musk, que têm um valor estimado de US$ 38 bilhões.
Uma parte significativa disso vai para a empresa espacial SpaceX — o que aparentemente ameaça seu futuro.
No entanto, o alerta de Trump pode ser um pouco mais vazio do que parece.
Isso porque a nave espacial Dragon, da SpaceX, transporta pessoas e cargas para a Estação Espacial Internacional, onde três astronautas da Nasa, a agência espacial americana, estão atualmente alocados.
Isso mostra que a SpaceX se imbricou tanto no aparato espacial e de segurança nacional dos EUA que a ameaça de Trump pode ser difícil de concretizar.
Alguém pode argumentar de forma parecida sobre a empresa de satélites de internet de Musk, a Starlink.
Encontrar uma alternativa a ela pode ser mais fácil na teoria do que na prática.
Mas, se há limites para o que Trump pode fazer, o mesmo também se aplica a Musk.
No meio de sua discussão com o presidente, ele ameaçou desativar a Dragon, mas não demorou muito para recuar.
Respondendo à sugestão de um usuário do X para que ele “se acalmasse”, Musk escreveu: “Bom conselho. Ok, não vamos desativar a Dragon.”
Está claro que a amizade entre Musk e Trump acabou. É menos certo que a dependência mútua tenha chegado ao fim.
Seja qual for o futuro dos negócios de Musk, parece que Trump — e as decisões de seu governo — continuarão a ter grande influência neles.