Enchentes no RS: por que não há ‘nada pronto’ para evitar inundações um ano depois
Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Um ano após as históricas enchentes que destruíram parte do Rio Grande do Sul, bilhões de reais em dinheiro público foram mobilizados para obras de reconstrução e prevenção, mas muitas ações estão empacadas.
A demora na construção de novas moradias, pontes, escolas e sistemas contra cheias é alvo de disputa política entre governo federal, governo estadual e prefeituras.
“Claro que se viesse uma cheia agora, um ano depois, não teria nada pronto a ponto de evitar inundação”, constata o engenheiro ambiental Fernando Fan, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na sua avaliação, todas as esferas públicas têm se empenhado na reação às enchentes, mas o andamento das obras esbarra na lentidão comum em empreendimentos públicos, devido à maior burocracia.
Sua expectativa é que muitos dos investimentos ainda vão demorar de dois a três anos para ter resultado, como as obras contra as cheias na região metropolitana de Porto Alegre e levantamentos batimétricos para mapeamento dos fundos dos rios do Estado e da Lagoa dos Patos, que banha 14 municípios.
“Um ano depois, a gente já viu os editais [dos levantamentos batimétricos] publicados, as empresas que estão sendo contratadas. Esperamos que, ao longo dos próximos dois anos, esses dados sejam todos produzidos e estejam disponíveis”, prevê.
Na disputa política sobre de quem é a culpa dos atrasos, o governo de Eduardo Leite (PSDB) tem sido especialmente cobrado por R$ 6,5 bilhões que estão parados.
O dinheiro foi depositado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um fundo em dezembro para que a administração estadual faça obras contra cheias na região metropolitana de Porto Alegre.
Em vídeo compartilhado em suas redes sociais em abril, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que chefiou as ações do governo Lula no Estado após as enchentes, cobrou mais agilidade na execução dos recursos.
“É preciso que o governo do Estado faça sua parte, agilize o projeto básico, para que a gente possa fazer a contratação das empresas que vão fazer o projeto executivo e executar as obras”, pressionou.
Pimenta é ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e também comandou a Secretaria de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul entre maio e setembro de 2024.
Hoje, ele é cotado para disputar o governo gaúcho ou uma vaga no Senado em 2026, pelo PT, contra o campo político de Leite.
Na mesma gravação, Pimenta também responsabiliza as prefeituras pela demora em apresentar os projetos para os empreendimentos, como “escolas, unidades de saúde, pontes e recuperação de estradas”.
“Não adianta o governo do presidente Lula liberar o dinheiro e o dinheiro ficar parado com as prefeituras e o governo do Estado”, reclamou.
Procurada pela BBC News Brasil sobre as críticas, a gestão de Eduardo Leite afirmou, em nota, que “assumiu a responsabilidade pela execução [dos R$ 6,5 bilhões] justamente para garantir maior agilidade e controle sobre obras de grande porte, como as da Região Metropolitana”.
De acordo com o governo estadual, as obras são complexas e demandam estudos atualizados.
“Os eventos recentes mostraram que o volume de água e a frequência das cheias mudaram. Isso exige uma revisão técnica completa para garantir que as soluções realmente protejam as áreas mais vulneráveis”, disse o governo Leite.
Isso envolve atualizar “informações sobre o terreno; a ocupação do solo para realocação de residências; e os modelos de comportamento da água em diferentes cenários de chuvas e ventos”, modernizar equipamentos, como bombas submersíveis, e revisar “falhas ignoradas anteriormente”.
Além do dinheiro parado no governo estadual, o volume investido pelo governo federal em resposta à tragédia climática também é alvo de questionamentos.
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Promessa de 22 mil moradias ainda distante
Uma das dificuldades, diz Freitas, é reconstruir pontes. Segundo ele, ainda há muitas estruturas provisórias que seriam levadas em caso de novas inundações. Outra queixa importante é a demora na entrega de novas moradias.
A promessa do governo federal é garantir 22 mil novas casas para as famílias que perderam suas moradias.
Segundo balanço recente, foram entregues 1.850 até o final de abril, a maioria pelo programa Compra Assistida, em que famílias com renda de até R$ 4.700,00 podem comprar um imóvel de até R$ 200 mil, com recursos da União. Outras moradias estão sendo construídas dentro do programa Minha Casa Minha Vida.
Questionado pela reportagem, o secretário para Apoio à Reconstrução, Emanuel Hassen (PT), que assumiu o órgão no lugar de Pimenta, disse que a entrega de casas não tem sido mais rápida devido à burocracia para comprovar as famílias afetadas, evitando fraudes.
Além disso, apontou a dificuldade das prefeituras para encontrar terrenos apropriados para novas construções. Segundo ele, a troca de governos, após a eleição municipal, também afetou esse processo.
Já Moisés de Freitas argumenta que as prefeituras do Vale do Taquari estão sobrecarregadas com as diferentes frentes de reconstrução e não têm equipe técnica suficiente para dar agilidade a todos os projetos necessários e ao andamento burocrático para liberação dos recursos disponibilizados pela União.
“A prefeitura tem que encontrar áreas para realocação dessas pessoas fora das regiões que alagaram, aí tem que ver a desapropriação, a indenização”, relata o prefeito.
“Para construir novas pontes, tenho que contratar engenheiro, fazer o projeto, dar encaminhamento junto à Defesa Civil Nacional, realizar a licitação para que venha alguma empresa para cá. A dificuldade é grande para nós, municípios”, continua.
Apesar disso, ele diz que os governos federal e estadual têm apoiado os municípios.
“Tivemos um aporte financeiro importante, tanto por parte do governo estadual quanto do governo federal, mas insuficiente pela quantidade de problemas que tivemos aqui na nossa região”, avalia.
Crédito, Presidência da República