Parques eólicos: o impacto em uma das regiões mais pobres da América Latina
Crédito, Catherine Ellis
- Author, Catherine Ellis
- Role, De La Guajira (Colômbia), para a BBC News
Quando José Luis Iguarán põe o pé para fora de casa em La Guajira, no norte da Colômbia, ele encontra uma linha de 10 torres eólicas, instaladas no terreno marcado pelos cactos, apontando para o mar do Caribe.
Iguarán pertence ao grupo indígena Wayuu, que habita aquela região peninsular há séculos. Eles vivem da criação de cabras, agricultura, mineração de sal e da pesca.
Com alguns dos ventos mais poderosos da Colômbia, La Guajira passou a ser o epicentro da transição dos combustíveis fósseis para a energia renovável no país.
Mas esta ambição de produzir energia verde enfrentou resistência e reflexões por parte dos moradores locais. Afinal, o território tem profundas ligações com sua cultura, tradições e a natureza.
“Você acorda e, de repente, não vê mais as árvores”, conta Iguarán. “No lugar delas, você vê e ouve as turbinas.”
Sua comunidade, agora, compartilha a terra com um dos dois parques eólicos da Colômbia em operação, chamado Guajira 1. Outros 15 parques estão atualmente em construção em La Guajira e os planos incluem ainda dezenas de outros.
Problemas vs. benefícios
“À noite, o barulho das turbinas perturba os nossos sonhos”, lamenta Iguarán. “Para nós, os sonhos são sagrados.”
O grupo Wayuu inclui cerca de 380 mil pessoas na Colômbia. Ele também está presente na Venezuela e possui tradições e crenças distintas.
Para eles, os sonhos são uma ponte para o mundo espiritual. Eles recebem mensagens dos seus ancestrais, que são interpretadas pela família.
Apesar dos distúrbios culturais, Iguarán afirma que sua comunidade se beneficiou com a construção do parque eólico Guajira 1.
A companhia energética responsável pela instalação – a empresa colombiana Isagen – pagou para que eles tivessem acesso a água potável, melhores rodovias e casas resistentes de tijolos, que substituíram parte das moradias de barro e cacto.
A Isagen é de propriedade da canadense Brookfield. Ela também paga para três comunidades locais uma taxa anual de permanência do parque eólico, além de um percentual da receita anual com eletricidade e 20% da venda de créditos de carbono, que são adquiridos por empresas que desejam compensar suas emissões.
Iguarán acredita que esses projetos energéticos podem ajudar a trazer desenvolvimento, o que é vital para aquela que é a segunda região mais pobre da Colômbia. Mas nem todos compartilham do seu entusiasmo.
Crédito, Catherine Ellis
“Os parques eólicos produzem energia limpa, mas criam divisões nas comunidades Wayuu”, explica Aaron Laguna, pescador do grupo indígena que mora na aldeia litorânea de Cabo de la Vela, na Colômbia.
Atualmente, sua comunidade está em processo de consultas sobre um novo parque eólico a ser construído nas proximidades. Ele tem visto pessoas que foram afetadas pelo projeto.
Elas se queixam da falta de transparência, pouca compensação, desrespeito pelas normas culturais e corrupção.
“São feitas negociações desfavoráveis e os recursos fornecidos [para nós] não são bem gerenciados pelos moradores locais”, ele conta.
Estas preocupações geraram disputas com as empresas geradoras de energia e até conflitos dentro das próprias comunidades Wayuu. Alguns se opõem aos projetos e outros se sentem excluídos das negociações que poderiam trazer benefícios às comunidades.
“Existe ainda esta ideia de que, se for verde, é automaticamente bom”, afirma Joanna Barney, diretora de meio ambiente, energia e comunidades do think tank (centro de pesquisa e debates) colombiano Indepaz. A organização pesquisou extensamente a transição energética e suas consequências para os Wayuu.
“Na Colômbia… não existe uma estrutura jurídica sólida para avaliar adequadamente os impactos ambientais”, explica ela. “E os impactos sociais são imensuráveis.”
Crédito, Catherine Ellis
Em dezembro de 2024, a empresa espanhola EDP Renováveis suspendeu seus planos de construção de dois parques eólicos em La Guajira. Para a companhia, os projetos não eram mais economicamente viáveis.
Um fator foi que o número de comunidades indígenas locais que declararam que seriam afetadas – e, portanto, precisariam de compensação – dobrou, de 56 para 113.
A decisão da EDP se seguiu à saída, em maio de 2023, da multinacional italiana Enel de outro projeto de um parque eólico na região.
A Enel atribuiu sua desistência aos “constantes protestos” que impediram os trabalhos de construção por mais da metade dos dias úteis, entre 2021 e 2023.
Guajira 1 também foi prejudicada pelos bloqueios das estradas, uma forma comum de protesto dos moradores locais de La Guajira, quando sentem que não estão sendo ouvidos.
A Indepaz registrou casos de ataques contra funcionários das empresas geradoras de energia, incluindo sequestros e assaltos à mão armada. E, em algumas regiões, houve casos de deslocamento e violência entre comunidades locais que não concordam com os parques eólicos vizinhos.
“Chamamos de ‘guerra dos ventos'”, afirma Barney.
Dois mundos que não se conversam
Para o antropólogo colombiano Wieldler Guerra, existe uma clara desconexão entre os Wayuu e as empresas construtoras de parques eólicos.
“Existem dois mundos diferentes conversando e eles não conseguem se entender”, compara ele.
Este fosso se estende à própria forma em que eles percebem o vento, que é o elemento central destes projetos.
“Para os Wayuu, os ventos são pessoas. Não é o vento – são os ventos.”
“Existem oito ventos diferentes na cultura Wayuu. Eles são seres mitológicos e ancestrais com temperamentos distintos, que moldam o ambiente à nossa volta e devem ser respeitados.”
Já as empresas e o governo colombiano consideram que o vento é um recurso a ser explorado para atingir o progresso ambiental, obter lucro e atender às necessidades energéticas do país.
A Colômbia possui uma matriz elétrica doméstica relativamente limpa. Cerca de dois terços da sua eletricidade vêm de usinas hidrelétricas.
Mas o país ainda é vulnerável aos baixos níveis dos reservatórios, o que cria o risco de falta de energia. Atualmente, a energia eólica contribui com apenas 0,1% da matriz energética.
Crédito, Catherine Ellis
Para as companhias geradoras de eletricidade que investem na região, o risco de conflitos com moradores locais é uma perspectiva preocupante.
Uma dessas empresas, a AES Colômbia, está desenvolvendo em La Guajira o maior conjunto de energia eólica do país, composto por seis parques.
A empresa afirma que mantém diálogo aberto com as comunidades e oferece compensação justa e benefícios, como água potável e participação nos créditos de carbono.
Mas ter boas relações com a comunidade não é suficiente, segundo a companhia.
“Não podemos fazer estes projetos sozinhos”, afirma o gerente-geral da AES Colômbia, Federico Echavarría. Para ele, “o governo precisa ajudar a resolver os conflitos entre as comunidades”.
Na praia de Cabo de la Vela, uma região com fortes ventos, Aaron Laguna afirma que La Guajira é historicamente negligenciada pelo Estado colombiano.
A educação e a assistência médica são ruins e a maioria das comunidades rurais não tem água corrente. Algumas pessoas andam horas, todos os dias, para coletar água nos jagüeys, reservatórios abastecidos com água da chuva.
Sua comunidade conta com uma pequena instalação de tratamento de água salgada, que produz água doce. Ela quer que a companhia que planeja construir o parque eólico próximo amplie as instalações, para beneficiar outros moradores locais.
Apesar de se falar em progresso, Laguna destaca um paradoxo persistente: “O pior é que não receberemos um único kW da eletricidade produzida aqui.”
O projeto é que a eletricidade do parque eólico seja enviada para outros lugares, enquanto a aldeia continuará a depender dos geradores, pelo menos a médio prazo.
O futuro pode parecer brilhante para a energia limpa, mas muitos Wayuu ainda receiam serem deixados no escuro.