Trump e o avião do Catar: críticos e apoiadores do presidente americano se unem contra plano de aceitar doação
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- Author, Mike Wendling
- Role, BBC News
O problema para a Casa Branca é que a união está acontecendo em oposição ao governo.
Como era de se esperar, os oponentes de Trump do Partido Democrata criticaram o presidente depois que ele indicou que aceitaria um jato de luxo oferecido pela família real do Catar.
Mais digno de nota — e potencialmente mais preocupante para o presidente — é que alguns de seus mais fortes apoiadores também possuem sérias reservas em relação ao acordo, embora ele ainda não tenha sido finalizado.
Influenciadores do movimento Maga (Make America Great Again) descreveram a iniciativa como um “suborno”, uma fraude e um exemplo da corrupção de alto nível que o próprio Trump sempre prometeu erradicar.
A família real do Catar planeja doar o luxuoso Boeing 747-8, avaliado em US$ 400 milhões, ao Departamento de Defesa dos EUA para ser usado como parte da frota de aviões da Air Force One — o meio de transporte aéreo oficial do presidente.
A frota atual inclui dois jatos 747-200 que estão em uso desde 1990, além de vários 757 menores.
A Casa Branca diz que o novo avião —que pode levar anos e milhões de dólares para ser reformado e modernizado — vai ser transferido para o acervo presidencial de Trump ao final do seu mandato.
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Depois que a notícia foi divulgada no domingo (11/5), a reação foi feroz e imediata.
“Acho que o termo técnico é ‘suspeito'”, disse o comentarista conservador do Daily Wire, Ben Shapiro, em seu podcast.
“O Catar não está supostamente dando ao presidente Trump um jato de US$ 400 milhões por ter um bom coração”, ele acrescentou. “Eles tentam enfiar dinheiro no bolso de forma totalmente bipartidária.”
Assim como outros, ele citou alegações de que o Catar direcionou dinheiro para grupos terroristas — acusações que o país nega —, e chamou os cataris de “os maiores defensores do terrorismo em escala internacional”.
A influenciadora Laura Loomer, que espalha teorias conspiratórias nas redes sociais e pede a demissão de altos funcionários da Casa Branca que não são considerados leais o suficiente, interrompeu seu fluxo constante de mensagens pró-Trump para criticar a medida.
Embora tenha dito que ainda apoia o presidente, ela classificou a transação relacionada à aeronave como “uma mancha” — e publicou uma caricatura do Cavalo de Troia, redesenhado como um avião e repleto de militantes islâmicos armados.
Trump também encontrou pouco apoio para o plano entre os veículos de comunicação mais mainstream.
O New York Post, com o qual ele geralmente pode contar para apoiar grande parte da agenda populista do Maga, publicou um editorial contundente: “O jato ‘Palace in the Sky’ do Catar NÃO é um ‘presente grátis’ — e Trump não deveria aceitá-lo como tal.”
E Mark Levin, um constante entusiasta do presidente na Fox News e em seu programa de rádio, postou no X (antigo Twitter) acusando o Catar de ser um “Estado terrorista”. “O jato deles e todas as outras coisas que estão comprando em nosso país não vai dar a eles o disfarce que procuram”, escreveu.
Durante seu primeiro mandato, o próprio Trump acusou o Catar de financiar grupos terroristas.
Quando contatada pela BBC, a embaixada do Catar em Washington indicou uma entrevista que o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim Al-Thani, deu à rede CNN sobre o avião.
“Trata-se de uma transação entre governos. Não tem nada a ver com relacionamentos pessoais — nem por parte dos EUA, nem por parte do Catar. É entre os dois ministérios da Defesa”, ele disse.
“Por que compraríamos influência nos EUA?”, acrescentou, argumentando que o Catar “sempre foi um parceiro confiável e fidedigno. Esta não é uma relação de mão única”.
Em resposta às críticas ao plano, a Casa Branca reforçou sua intenção. A secretária de imprensa de Trump, Karoline Leavitt, disse em comunicado que o governo estava “comprometido com a transparência total”.
“Qualquer presente dado por um governo estrangeiro é sempre aceito em total conformidade com todas as leis aplicáveis”, ela afirmou.
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Embora não tenha sido oferecido nada em troca do avião, muitos analistas disseram que seria ingênuo esperar que a família real do Catar oferecesse um item tão grandioso sem nenhuma contrapartida.
“É óbvio que eles imaginam que, se recompensarem Donald Trump com presentes, isso pode render frutos no futuro”, afirmou o estrategista político Doug Heye, ex-diretor de comunicação do Comitê Nacional Republicano, à BBC. “A bajulação leva você a algum lugar com Donald Trump, e já vimos isso várias vezes.”
A Constituição dos EUA inclui uma cláusula que impede autoridades de aceitar “qualquer presente, emolumento, cargo ou título, de qualquer tipo, de qualquer rei, príncipe ou Estado estrangeiro”.
Mas a Casa Branca ressaltou que, pelo menos inicialmente, o avião está sendo presenteado ao governo dos EUA.
A procuradora-geral Pam Bondi teria investigado a legalidade do acordo e determinado que, como não há condições explícitas vinculadas, não seria considerado suborno.
Conservadores, entre outros, foram rápidos em apontar que Bondi era registrada como lobista do Catar antes de entrar para o gabinete de Trump, chegando a ganhar até US$ 115 mil por mês com seu trabalho para o governo catari.
A Trump Organization, conglomerado empresarial do presidente, também mantém laços com o Catar e, no mês passado, anunciou um acordo para construir um resort de golfe de luxo no país.
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Durante uma coletiva de imprensa na Casa Branca na terça-feira (13/5), o presidente repreendeu uma jornalista que levantou questionamentos sobre a ética da transação.
“O que você tem a dizer às pessoas que veem esse jato de luxo como um presente pessoal?”, perguntou a repórter Rachel Scott, da rede ABC.
“Você deveria ter vergonha de fazer essa pergunta”, respondeu Trump, depois de usar seu jargão padrão de “fake news”.
“Eles estão nos dando um jato de graça”, disse o presidente. “Eu poderia dizer ‘não, não, não, não deem o jato para a gente, quero pagar a vocês um bilhão ou 400 milhões’… ou eu poderia dizer ‘muito obrigado’.”
Na plataforma Truth Social, o presidente repostou posteriormente várias mensagens destacando que a Estátua da Liberdade foi um presente da França, e escreveu no fim de terça-feira: “O Boeing 747 está sendo dado à Força Aérea/Departamento de Defesa dos EUA, NÃO A MIM!”
“Somente um TOLO não aceitaria esse presente em nome do nosso país”, acrescentou.
No entanto, até mesmo alguns membros do Partido Republicano de Trump estavam manifestando preocupação.
“Acho que não vale a pena a aparência de impropriedade, seja ela imprópria ou não”, afirmou Rand Paul, senador republicano do Kentucky, à Fox News.
“Eu me pergunto se nossa capacidade de julgar o histórico de direitos humanos [do Catar] será obscurecida por este grande presente”, completou Paul.
Outro senador republicano, Ted Cruz, do Texas, disse que aceitar o presente representaria “problemas significativos de espionagem e vigilância”.
Trump encontrou, no entanto, algum apoio dentro do partido. “De graça é bom. Sabe como é, não temos muito dinheiro agora para comprar coisas assim”, afirmou o senador Tommy Tuberville à rede CNN.
Doug Heye, estrategista republicano, sugeriu que o acordo pode não prejudicar a popularidade de Trump dentro da sua base de apoio no longo prazo.
“Há anos, Trump tem sido capaz de transformar escândalos que, de outra forma, seriam debilitantes para outros políticos em coisas que esquecemos”, observou. “Ele é muito habilidoso nisso.”