4 exemplos históricos que mostram os riscos do intervencionismo dos EUA no Oriente Médio
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O presidente Donald Trump surpreendeu no mês de maio ao criticar duramente as políticas intervencionistas de seus antecessores na presidência dos Estados Unidos.
“E os intervencionistas intervieram em sociedades complexas que nem sequer entendiam”, acrescentou.
Essas palavras, proferidas durante uma visita a Riad, capital da Arábia Saudita, foram interpretadas por alguns analistas como uma sugestão de que, ao menos durante seu governo, o intervencionismo americano no Oriente Médio seria coisa do passado.
Mas, pouco mais de um mês depois, perceberam que estavam equivocados.
Com seu ataque, os Estados Unidos — e Israel — buscavam acabar com os sonhos nucleares do Irã.
“Nosso objetivo era destruir a capacidade de enriquecimento nuclear do Irã e conter a ameaça nuclear representada pelo principal Estado patrocinador do terrorismo a nível mundial”, afirmou Trump, pouco depois da ofensiva.
Mas a história mostra que, quando o Ocidente interveio na região para “solucionar” algum problema, nem sempre tudo saiu de acordo com o planejado.
Segundo o autor libanês-americano Fawaz Gerges, professor de Política do Oriente Médio e Relações Internacionais na London School of Economics and Political Science, o intervencionismo dos EUA tem sido uma constante nas relações internacionais no Oriente Médio desde o final da década de 1940.
“Os recentes ataques aéreos dos Estados Unidos contra o Irã são mais um exemplo dessa política”, disse Gerges, autor de What Really Went Wrong: The West and the Failure of Democracy in the Middle East (na tradução livre para o português, O que realmente deu errado: Ocidente e o fracasso da democracia do Oriente Médio).
A seguir, fazemos uma retrospectiva de quatro exemplos do intervencionismo americano no Oriente Médio e analisamos suas consequências.
1- Golpe de Estado no Irã em 1953
Em 1953, o primeiro-ministro do Irã, Mohammad Mossadeq, eleito democraticamente, foi derrubado por um golpe de Estado liderado pelo exército iraniano e apoiado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.
Mossadeq havia chegado ao poder apenas dois anos antes com a promessa de nacionalizar as reservas de petróleo do Irã.
Isso, somado a uma aparente ameaça comunista, preocupava Londres e Washington, cujas economias de pós-guerra dependiam, em grande parte, do petróleo iraniano.
Inicialmente apresentada como uma revolta popular em apoio ao xá Mohammad Reza Pahlavi, a insurgência foi patrocinada pelos serviços de inteligência britânico e americano.
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No ano de 2000, a então secretária de Estado Madeleine Albright falou abertamente sobre o papel dos Estados Unidos no golpe.
Anos mais tarde, em 2009, o então presidente Barack Obama fez um discurso no Cairo em que reconheceu a responsabilidade de Washington no ocorrido.
Em 2013, 60 anos depois do golpe, a CIA divulgou documentos nos quais reconheceu, pela primeira vez, seu envolvimento no golpe de Estado.
“O golpe militar foi feito sob a direção da CIA como um ato da política externa americana”, disse um trecho dos documentos publicados pelo Arquivo de Segurança Nacional.
Fawaz Gerges afirma que o conflito atual entre os Estados Unidos e o Irã tem suas raízes nessa intervenção secreta.
“Os iranianos nunca perdoaram os Estados Unidos por derrubar um primeiro-ministro legítimo e eleito democraticamente e instalar um ditador brutal, o xá do Irã, como governante absoluto do país”, explica.
“O antiamericanismo que se vê hoje em dia no Irã se deve ao fato de que a elite política culpa os Estados Unidos pela mudança na trajetória política iraniana.”
Gerges ressalta que os EUA também tentaram influenciar nas políticas de Gamal Abdel Nasser no Egito e mudar o rumo de seu projeto nacionalista, mas sem muito sucesso.
2 – Apoio dos Estados ao Talibã no Afeganistão
Em 1979, um ano depois de um golpe de Estado no Afeganistão, o exército soviético invadiu o país para apoiar o governo comunista, lutando contra um movimento islamista de resistência conhecido como Mujahideen.
Esse grupo, formado por extremistas islâmicos jihadistas, que se opunham ao governo comunista, contava com o apoio dos Estados Unidos, Paquistão, China e Arábia Saudita, entre outros países.
Durante a Guerra Fria, Washington foi um dos principais fornecedores de armas e dinheiro, com o objetivo de dificultar os planos da URSS.
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Conforme revelaram documentos da época, investigações jornalísticas e depoimentos de testemunhas anos depois, os EUA queriam que a União Soviética ficasse presa em um “atoleiro” no Afeganistão, que consumiria vidas e recursos, semelhante ao que o exército americano sofreu na Guerra do Vietnã.
A missão foi batizada de “Operação Ciclone” e a imprensa da época a classificou como “a maior operação secreta da história da CIA”.
O então presidente Ronald Reagan chegou, inclusive, a receber uma delegação de líderes jihadistas no Salão Oval da Casa Branca. Em setembro de 1988, após nove anos de intervenção, o premiê soviético Mikhail Gorbachov ordenou a retirada das forças soviéticas do Afeganistão.
Mas o país mergulhou em uma guerra civil entre diversas facções e um governo que, sem apoio da URSS, não demorou a cair.
A guerra se intensificou até que, em 1994, o Talibã apareceu na cidade de Kandahar, no sul, onde rapidamente ganhou popularidade apresentando-se como uma espécie de guerreiro estudantil, cujas fileiras eram formadas por jovens da etnia pashtuns.
Muitos dos seus líderes haviam lutado no movimento mujahideen contra a ocupação soviética e haviam recebido armas americanas e de outros países.
Em 1996, o Talibã conquistou Cabul e impulsionou um regime islâmico fundamentalista que logo seria condenado a nível mundial por suas violações aos direitos humanos.
Eles introduziram ou apoiaram castigos de acordo com sua interpretação rigorosa da Sharia.
Assassinos e adúlteros condenados deveriam ser executados publicamente, os ladrões deveriam ser amputados, os homens deveriam deixar a barba crescer e as mulheres usar uma burca que cobrisse todo o corpo, da cabeça aos pés, com uma tela na altura dos olhos para que pudessem enxergar.
Proibiram a televisão, a música e o cinema, e que as meninas maiores de 10 anos frequentassem a escola, entre outras medidas.
Além disso, após a guerra soviético-afegã, um grupo de veteranos criou a organização Al Qaeda com o objetivo de expandir a luta islâmica para além do Afeganistão.
O Talibã forneceu refúgio para a organização e seu líder, Osama bin Laden, para suas operações e para elaborar planos como os ataques de 11 de setembro de 2001.
“Esforços de equilíbrio”: da Guerra Fria aos dias atuais
Waleed Hazbun, professor de Estudos do Oriente Médio no Departamento de Ciências Políticas da Universidade do Alabama, argumenta que, durante a Guerra Fria, a maioria das intervenções americanas na região poderia ser descrita como “esforços de equilíbrio”.
“Eles buscavam contrariar toda a força política oposta aos interesses dos Estados Unidos e seus aliados”, disse à BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC.
O cientista político afirma que a intervenção liderada pelos Estados Unidos na Guerra do Golfo serve como exemplo.
“Foi uma tentativa de contrariar a invasão iraquiana de Kuwait. Conseguiu-se restabelecer a soberania kuwaitiana e, após o fim da Guerra Fria, houve conversas entre os formuladores de políticas e líderes americanos na região para buscar maneiras de abordar as necessidades de segurança comuns na região.”
Contudo, Hazbun considera que, posteriormente, um novo enfoque começou sob administração do ex-presidente Bill Clinton.
“Buscou-se organizar uma arquitetura de segurança que servisse aos interesses americanos e à sua visão de ordem regional”, destaca.
“Isso inclui, por um lado, focar no processo de paz e na normalização das relações árabe-israelenses, para que todos os países árabes pudessem se alinhar com os EUA e Israel, mas também contendo o Irã e o Iraque — uma política conhecida como “dupla contenção” — por meio de meios militares e sanções.
Em diversas ocasiões, o intervencionismo dos EUA veio acompanhado de um apoio a Israel classificado como “incondicional” e “inabalável” por autoridades americanas.
Desde a Segunda Guerra Mundial, Israel tem sido o maior beneficiário de ajuda externa americana e recebe a cada ano bilhões de dólares em assistência militar.
De acordo com dados do departamento de Defesa e Estado, de 1951 até 2022, a ajuda militar americana ao Israel, ajustada pela inflação, totalizou US$ 225, 2 bilhões (R$ 1,24 trilhão na conversão atual).
3 – Invasão do Afeganistão em 2001
Em outubro de 2001, os Estados Unidos lideraram uma nova invasão ao Afeganistão para expulsar o Talibã.
A potência invasora prometeu apoiar a democracia e eliminar a ameaça terrorista da Al Qaeda, após os ataques de 11 de setembro.
Rapidamente, Washington conseguiu tomar Cabul, a capital do país, e forçou o Talibã a deixar o poder.
Três anos depois, um novo governo afegão assumiu a presidência. Mas os sangrentos ataques do Talibã continuaram.
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Em 2009, o então presidente Barack Obama anunciou um aumento de tropas que ajudou a conter temporariamente o Talibã, mas não por muito tempo.
Em 2014, que acabou sendo o ano mais sangrento da guerra desde 2001, as forças da Otan encerraram sua missão e delegaram a responsabilidade de segurança para o exército afegão.
Essa ação permitiu ao Talibã conquistar mais territórios.
No ano seguinte, o grupo continuou ganhando força e lançou uma série de atentados suicidas. Se atribuiu ataques contra o edifício do parlamento em Cabul e outro nas intermediações do aeroporto internacional da capital.
Finalmente, o governo de Joe Biden decidiu retirar as tropas americanas do Afeganistão em abril de 2021, após 20 anos da invasão liderada pelos EUA.
Foi uma decisão controversa que levou à rápida queda de Cabul para as mãos do Talibã. A queda de Cabul foi comparada aos eventos ocorridos no Vietnã do Sul.
“Um fracasso desastroso no cenário internacional que jamais vai ser esquecido”, afirmou na rede social X a deputada republicana Elise Stefanik.
O Talibã conseguiu em torno de um milhão de armas e equipamentos militares — em sua maioria financiados pelos Estados Unidos — quando recuperou o controle do Afeganistão em 2020, segundo revelou um ex-funcionário afegão que falou de forma anônima à BBC.
Um relatório da ONU de 2023 indicou que o Talibã permitiu que os comandantes locais retivessem 20% das armas norte-americanas apreendidas, o que fez com que o mercado negro prosperasse.
Entre as medidas mais recentes adotadas pelo Talibã está uma rede de 90 mil câmeras utilizadas para vigiar a vida cotidiana de milhões de pessoas.
As autoridades do Talibã dizem que vigilância é necessária para ajudar a combater o crime, mas os críticos temem que ela seja usada para reprimir a dissidência e vigiar o cumprimento do rígido código de moralidade imposto pelo Talibã linha-dura.
4 – Invasão do Iraque em 2003
A história da invasão do Iraque em 2003 remonta a agosto de 1990, quando o exército iraquiano, comandado pelo então presidente Saddam Hussein, cruzou a fronteirar até o Kuwait, matando centenas de pessoas que resistiram à invasão e obrigando o governo kuwaitiano ao exílio na Arábia Saudita.
Especialistas afirmam que esse foi “um dos maiores erros” de Saddam Hussein.
Para muitos, essa data marcou o começo de um longo e turbulento capítulo na história do Oriente Médio.
Após vários alertas e uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, uma coalizão — a maior desde a Segunda Guerra Mundial — liderada pelos EUA e apoiada principalmente pela Arábia Saudita e pelo Reino Unido, iniciou uma operação para expulsar as forças iraquianas de Kuwait em 17 de janeiro de 1991.
Depois disso, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 687, exigindo que o Iraque destruísse todas as suas armas de destruição em massa — termo utilizado para descrever armas nucleares, biológicas e químicas, além de mísseis balísticos de longo alcance.
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Em 1998, o Iraque suspendeu a cooperação com os inspetores de armas da ONU e, após os ataques às torres gêmeas em Nova York e ao Pentágono, nos Estados Unidos, o então presidente George W. Bush começou a planejar a invasão do Iraque.
Bush acusou a Hussein de continuar armazenando e fabricando armas de destruição em massa e alegou que o Iraque fazia parte de um “eixo do mal” internacional, ao lado do Irã e da Coreia do Norte.
O então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, afirmou diante da ONU, em 2003, que o Iraque abrigava “laboratórios móveis” para produzir armas biológicas. Mas, em 2004, reconheceu que as evidências “não pareciam ser tão sólidas”.
O Reino Unido, a Austrália e a Polônia participaram da invasão, mas muitos países, entre eles Alemanha, Canadá, França e México, se opuseram.
O então ministro das Relações Exteriores da França, Dominique de Villepin, disse que uma intervenção militar seria “a pior solução possível”, enquanto a Turquia, membro da Otan e vizinha do Iraque, se recusou a permitir que os EUA e seus aliados usassem suas bases aéreas.
Waleed Hazbun, professor de Estudos do Oriente Médio no Departamento de Ciências Políticas na Universidade do Alabama, disse à BBC Mundo que, com a invasão do Iraque, os EUA buscaram uma mudança de regime para impor sua própria visão de segurança na região.
Segundo o jornalista Jeremy Bowen, editor internacional da BBC e especialista em Oriente Médio, a invasão foi uma catástrofe para o Iraque e seu povo, mergulhando o país em décadas de caos.
“Longe de destruir a ideologia de Osama Bin Laden e dos extremistas jihadistas, os anos de caos e brutalidade que se seguiram em 2003 intensificaram a violência jihadista”, afirmou em 2023, em uma análise publicada para marcar 20 anos da invasão.
Outra consequência da invasão foi que a Al Qaeda, temporariamente fragmentada por uma aliança entre os EUA e tribos sunitas, se reestruturou e deu lugar a um grupo ainda mais sangrento: o autodenominado Estado Islâmico.
Ninguém sabe ao certo quantos iraquianos morreram como consequência da invasão de 2003.
Segundo dados do Iraq Body Count (IBC), uma iniciativa que contabiliza as mortes de civis após a invasão, 209.982 civis iraquianos foram assassinados entre 2003 e 2022.
Para mudar os rumos da região, Waleed Hazbun afirma que a região precisa do apoio dos EUA nos esforços regionais para promover a segurança entre as nações do Oriente Médio.
“É preciso apoio para que a própria região tente resolver seus conflitos”, acrescenta.
“Os interesses globais dos EUA poderiam ser melhor atendidos por uma região que trabalhe em busca de entendimentos compartilhados de segurança regional, em vez de impor uma ordem regional por meio da esmagadora força militar dos EUA e seus aliados.”